Tela, Os Retirantes, de Cândido Portinari
Retirantes
do Pajeú
Poema Épico Teatral
Senhor
leitor! Apresento neste poema,
Uma
tragédia sertaneja horripilante,
Por
isso peço que prepare o coração
Pra perceber o sofrimento degradante,
Aqui, revelo o Pajeú estorricado;
Onde o
deserto faz morada no roçado
Levantando
o mastro da seca triunfante.
Perceba
bem leitor, os gritos, os gemidos;
A terra
ardendo, vermelha como brasas...
Sob um céu límpido, azul da cor do mar...
Os urubus famélicos movendo as asas.
Em cada
lar deságua um triste mar de choro;
Orações,
preces, ladainhas, formam um coro,
Onde a
incerteza faz morada sob as casas.
A
ventania forte tomba a lânguida porta
Estremecendo
o interior da residência;
De
dentro dela surge uma velha esquelética
Modificada
na decrépita aparência...
Ergue o
seu braço e fita o olhar pra sequidão
Solta
um gemido, numa forte assombração,
E grita
ao céu, chorando, pedindo clemência.
Grande
Deus! Venha, veja o meu seco Sertão!
O Pajeú
veloz não corre mais no leito...
Só a
tristeza lacrimal desce em vertente
E cobre
a folha murcha do meu velho peito.
Oh! Meu
Deus! Veja, sob a casa só há prantos...
E meus sonhos
secaram já não têm encantos...
Deus!
Oh meu Deus! Por que sofremos desse jeito?
E
assim, o grito lastimoso e contundente;
Mostra
o lamento forte, cheio de oração,
Pedindo
a Deus que afaste o sórdido tormento
Onde o pavor
da fome, faz assombração,
O seu
clamor se perde sob o infinito...
Sem esperança,
ouve o seu fúnebre grito,
Entre as
juremas ressequidas do sertão.
Pelas
estradas secas partem os sertanejos
Já
despertando a dor da saudade gritante
Do
Pajeú querido, lugar de mil sonhos,
Onde,
outrora, foi seu canto fascinante...
O vil
presente mancha todo o seu passado...
E, a
luz negra de um futuro tão nublado,
Cobre a
esperança, numa cena horripilante.
O Pajeú
revela um leito estorricado...
Os
retirantes fracos, como moribundos,
Por
entre os galhos, parecendo maltrapilhos,
Dão
impressão que são fantasmas de outros mundos.
Na
sequidão dos corações foge a esperança
E vez
enquanto surge a luz de uma criança
Sobre a
forma de um riso, fugindo em segundos.
Mães
famintas, crianças fracas, pais chorosos,
São as
cenas do Pajeú seco e tristonho
Que
enterrou entre as rochas do chão ressequido
As
promessas floridas de um mundo risonho.
Nos
casebres ficaram lânguidas lembranças...
O
presente sepulta poucas esperanças...
O
porvir fecha as portas dúlcidas do sonho.
Oh
Leitor! Veja nas imagens destes versos!
Sinta a
tragédia borbulhando sofrimento,
Nem
mesmo Dante viu nos círculos infernais,
O cruel
castigo, no mundo do tormento.
Lá, o poeta
viu a dor dos pecadores...
Aqui,
mostro o tormento dos agricultores...
Homens
simples, perdidos, sofrendo ao relento.
Uma
mulher magra parecendo um graveto
Conduz
a filha agarrada na cintura,
E sem
vigor tropeça no duro rochedo
Pra
cair por cima da pobre criatura.
Um
abafado grito da garganta ecoa
Logo se
estende por cima duma lagoa
E se
perde por dentro da caatinga escura.
A magricela
criança chora bem baixinho...
A mãe esquálida
lhe oferta o seio mole
Esperando
ter um pouquinho de alimento,
Pra
aliviar o sofrer, que o leite a console.
Frágil,
tremendo, com trêmula força puxa,
Logo
percebe que na glândula tão murcha,
Nenhuma
gota de leite da mãe se bole.
Ao invés
do leite, aparece um fio de sangue!
Cobrindo
a lágrima do olhar vago e tristonho...
Deixando
no rosto, cacimbas inundadas,
Que a
afoga a vida sepultando o lindo sonho.
Rachados
lábios, igualmente a terra bruta,
Buscam
o líquido do viver, travando a luta,
Num padecer
infernal de um sofrer bisonho.
A criancinha chora e grita: Ô Mamãe!
Todo meu corpo balança feito uma bandeira!
Eu não consigo andar, sinto os pés fraquejando,
Quando caminho atravessando uma ladeira.
Sinto que estou fraca, meu corpo já definha...
Eu não sei para onde a triste alma caminha...
E a fome, tornou-se a minha companheira.
Não há aurora sobre o campo do flagelo
Somente o ocaso da fome mostra-se presente,
E alguns gemidos entre os secos carrascais
Que ecoam com lamentos fortes e estridentes.
O governante, sem compromisso, vira as costas...
Os retirantes tristes rezam de mãos postas,
Pedindo a Deus, com lamentos indulgentes.
Oh Deus! Olhai pros campos, veja a sequidão!
Tudo está morto! No sepulcro da tristeza
Nosso cadáver do sonho foi sepultado,
Entre os rochedos da nossa única certeza.
Aqui só tem água nas velhas faces magras
E as dores, são tantas, que viraram pragas,
Sobre o roçado de uma vida de incerteza.
Os retirantes do sofrido Pajeú,
Tem no horizonte o fantasma da sequidão.
Um triste pai vê seu o filho fraco de fome
Fragilizado de tanta desnutrição.
Nem procurou botar um nome no seu filho
Imaginando que em breve o frágil maltrapilho
Vai falecer nas trilhas secas do Sertão.
Entre os garranchos, uma esquálida menina,
Mostra a expressão do galho quando a folha seca
Leva nas mãos seu lindo sonho de criança
Que se revela na expressão de uma boneca.
Para o risonho brinquedo fala baixinho
E promete com meigo e plácido carinho
Que terão alimentos, depois da soneca.
Oh Leitor! Não se engane com este momento;
Onde a viver se mostra na pura inocência.
Levante os olhos, veja o sórdido flagelo,
Onde o sol do viver se deita na existência.
Veja leitor! Cada passo, cada dissabor,
Cada manhã de vida perdendo o esplendor,
Numa nação que desconhece a consciência.
Veja bem sobre o solo bruto e ressequido
Os retirantes só têm sob a pele os ossos,
Nos corações a aridez sem nenhuma fonte...
E, dentro d’alma a miragem de alguns poços.
Desiludidos, buscam por um pouco de água,
E se afogam num lago que transborda mágoa,
Numa enchente de fome que só tem destroços.
Sem nação, sem aurora, sem a luz da esperança,
Os retirantes do sertão andam entre tocos
Dando passadas confusas, sem ter destino,
Parecendo uma grande procissão de loucos.
Sobre este quadro de pavor, vê-se um país,
Massacrando a pobreza que chora infeliz,
E oferta a imensa riqueza, pra bem poucos.
Gilmar Leite
Bravo Poeta!!!! Poema grandioso... por si só se exalta, se comenta, se enaltece.
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