Hildeberto Barbosa - Poeta, Escritor e Professor da UFPB
LETRA LÚDICA
Hildeberto Barbosa
Filho
Jorge de Lima e Gilmar Leite
Jorge é alagoano, de União dos
Palmares. Estou me referindo a Jorge de Lima. Gilmar é pernambucano, de São
José do Egito. Estou me referindo a Gilmar Leite. Jorge certamente não conheceu
Gilmar. Gilmar provavelmente conhece Jorge. Jorge já se foi, levado pelas
garras afiadas e impiedosas da Indesejada das Gentes, Megera Ancestral, Onça
Caetana, seja lá que nome possamos lhe dar. Gilmar está vivo, vivíssimo, e como
todo ser que preza a vida nem tão cedo pretende duelar com a Dama da Foice, na
hora e vez a que ninguém escapa.
De tempo e geografia diferentes, o
fato é que Jorge e Gilmar são poetas, e como poetas, nutridos pela filigrana
melódica da emoção e do pensamento poéticos, assim como pela força alada das
palavras, de que cuidam com os utensílios peculiares às suas respectivas
dicções. Sobretudo quando tais dicções modulam o galope aceso do lirismo
telúrico ou sentimental.
Dois sonetos podem uni-los, apesar
das específicas coreografias vocabulares, das intensidades rítmicas e dos
desenhos sinuosos que subscrevem ideias e imagens no quadrilátero de cada
verso. Afinal, qualquer poema ecoa outro, e a voz expressiva de um poeta não
subsiste sem o diálogo secreto com outras vozes do presente e do passado. É o
caso de dizer: se Jorge é Jorge, e lembra Camões que lembra Petrarca; Gilmar,
em sendo Gilmar, lembra Jorge, e dessas lembranças tecidas, como se fora um
toldo feito de luz, de sândalo, de miragens e de algarismos intangíveis, é que
se faz o tecido inconsútil da poesia.
Em cada um dos sonetos, cada um dos
poetas fala do poeta. Jorge, logo no segundo quarteto, de seu soneto modelar,
afirma que “No meio de desertos habitados/só eles” – claro, os poetas – “é que
entendem o sigilo/dos que no mundo vivem sem asilo/parecendo com eles
renegados”. Gilmar, por sua vez, também no segundo quarteto de seu soneto
modelar, diz que o poeta “É um ser construído do sensível,/Pra mostrar os
sentidos com encanto,/E fazer, através do desencanto,/O possível surgir do
impossível”.
Para além da forma fixa selecionada,
da métrica rigorosa dos decassílabos e da temática de vetor metalinguístico,
aproxima os poetas o jogo ostensivo dos conceitos dialéticos e os apelos
internos dos antagonismos lexicais, cadenciando a festa ideativa do intelecto e
da sensibilidade. Os últimos tercetos de cada poema enfatizam a lógica desta
gramática lírica.
Canta Jorge de Lima, pluralizando o
sujeito: “São eles os que gritam quando tudo cala,/são os que vibram de si
estranhos coros/para a fala de Deus que é sua fala”. Singularizando o sujeito,
reverbera, a seu turno Gilmar Leite: “Ele enxerga a aurora no crepúsculo,/Vê o
grande oculto no minúsculo,/E a voz dos que vivem esquecidos”.
Jorge e Gilmar, Gilmar e Jorge. Que
belo encontro na paisagem da poesia; na magia desse lance de dados que jamais
abolirá o acaso...
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