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terça-feira, 20 de outubro de 2009


Rogaciano Leite
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Breve comentário sobre o poeta Rogaciano Leite
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O menestrel cantador do Pajeú Pernambucano foi um aedo que levou através da sua magistral poesia os cantos e encantos da sua aldeia nordestina para vários lugares do Brasil. Poeta de uma inspiração genial e de um conhecimento universal, Rogaciano deu um tratamento nobre a poesia dos cantadores de feiras, das pequenas vilas, povoados e cidades interioranas, lapidando o diamante poético dos homens rústicos do imenso mosaico humano, chamado nordeste brasileiro. Raogaciano foi um poeta repentista de uma capacidade de improviso sobre-humano; arquiteto das palavras e construções poéticas de forma perfeita; poeta de uma visão de mundo ampla; intelectual do mundo do repente e orador que encantava multidões por onde passava; o vate transcendeu em todos os aspectos a poesia em todas as dimensões de existência. Sua poesia lírica nos convida a trilhar nos abismos do amor romântico, lugar repleto de realizações amorosas, de solidões infernais, de angústias pelo abandono e do perdão pelos “que voltam pelo amor vencidos”. Sua poesia bucólica nos traz as mais lindas paisagens do Sertão nordestino, derramando belas imagens “onde o sol desdobra o manto feito de rendas de anil”. Seus versos passeiam pelo Brasil, desde o majestoso Amazonas, com suas florestas e lendas, até as belas praias do “Ceará Selvagem” e do sonho encantado da “Ilha Porchart,” no litoral paulista. Nos seus poemas praieiros e campesinos se encontra um poeta que sentiu a natureza viva nas entranhas do seu corpo sensível e aberto as encantos e desencantos do mundo vivido. O Rio Pajeú esbraveja nos desfiladeiros dos seus versos magistrais e se acalma na lagoa da sua simplicidade de homem sertanejo, que universalizou o “Pajeú das Flores” com beleza e sabedoria. Que o conheceu a luz da poesia diz que Rogaciano parecia um Deus em forma de gente falando através dos versos e fazendo as multidões entrarem em delírio poético. A sua força poética maior, foi em defesa dos oprimidos pelo capitalismo de um regime opressor. Se o bardo baiano Castro Alves foi a voz dos negros escravizados pela estupidez da chamada raça branca, Rogaciano foi a voz, não de uma raça, mas sim, de um povo injustiçado pela falta de assistência dos governos descomprometidos com as causas populares. Seu poema “Acorda Castro Alves” é um gripo profundo e alto, suplicando a vinda do poeta condoreiro para livrar os pobres dos grilhões da miséria social, que ainda reina no Brasil de forma contundente. No poema “Os Flagelados”, parece que Rogaciano estava na retirada degradante dos famintos homens do Sertão, vitimados pelas longas estiagens e pela falta de assistência governamental. Vamos encontrar no poema “Os Trabalhadores” as dores, a fome e o abandono dos homens urbanos, jogados nas sarjetas da miséria o do descaso social. Ao andar com Rogaciano, por entre as choupanas e palafitas das grandes favelas, como “Pirambú, em Fortaleza, nos seus versos, iremos encontrar uma população trespassada de fome e de sofrimento, que nem os malditos do inferno da Dante sofreram tanto. Em cada barraco, iremos encontrar por intermédio de Rogaciano crianças famintas e doentes, jovens jogadas no escuro do descaso social e pais e mães sem esperança para a chegada de novos dias. Vamos trilhar no poema “Os trabalhadores” para que possamos vê pelos olhos do poeta do Pajeú das Flores, os homens sem a luz da esperança, nesse imenso país que fulgura riqueza para tão poucos.
Gilmar Leite
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OS TRABALHADORES
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01
Uma língua de fumo, enorme, bandoleante,
Vai lambendo o infinito – espessa e fatigada…
É a fumaça que sai da chaminé bronzeada
E se condensa em nuvens pelo espaço adiante!
02
Dir-se-ia uma serpente de inflamada fronte
Que assomando ao covil, ameaçadora e turva,
E subindo… e subindo…assim, de curva em curva,
Fosse enrolar a cauda ao dorso do horizonte!
03
Mas, não! É a chaminé da fábrica do outeiro
- Esse enorme charuto que a amplidão bafora
-Que vai gerando monstros pelo céu afora,
Cobrindo de fumaça aquele bairro inteiro.
04
Ouve-se da bigorna o eco na oficina,
O soluço da safra e o grito do martelo…
Como tigres travando ameaçador duelo
As máquinas estrugem no porão da usina!
05
É o antro onde do ferro o rebotalho impuro
Faz-se estrela brilhante à luz de áureo polvilho!
É o ventre do Trabalho onde gera o filho
Que estende a fronte loura aos braços do Futuro!
06
Um dia, de uma idéia uma semente verte,
Resvala fecundante e, se agregando ao solo,
Levanta-se… floresce… e ei-la a suster no colo
Os frutos que não tinha – enquanto estava inerte!
07
Foi o germe da Luz, a flor do Pensamento
Multiplicando a ação da força pequenina:
- De um retalho de bronze ergueu uma oficina!
-De uma esteira de cal gerou um monumento!
08
Trabalhar! Que o trabalho é o sacrifício santo,
Estaleiro de amor que as almas purifica!
Onde o pólen fecunda, o pão se multiplica
E em flores se transforma a lágrima do pranto!
09
Mas não vale o Trabalho andar a passo largo
Quando a estrada é forrada de injustiça e crimes…
Porque em vez de frutos dúlcidos, sublimes,
Gera bagos mortais e de sabor amargo!
10
Ide ver quanto herói, quanto guindaste humano
Sob a poeira exaustiva e o calor fatigante,
Os músculos de ferro, o porte gigante,
Misturando o suor o seu pão quotidiano.
11
Sua força é milagre! A redenção bendita!
O seu rígido braço é a enérgica alavanca
O escopro milagroso, a chave que destranca
O Reino do Progresso onde a Grandeza habita!
12
Sem os pés desse herói a Evolução não anda!
Sem as mães desse bravo uma nação nas cresce!
A indústria não produz! A campo não floresce!
O comércio definha! A exportação debanda!
13
No entanto,vêde bem! Esses heróis sem nome,
Malditos animais que ainda escraviza o ouro,
Arrastam – que injustiça! – o carro do tesouro,
Atrelados à dor, à enfermidade, e à fome!
14
Quanto prédio imponente e de valor suntuário
Erguido para o céu, firmado no infinito,
Indiferente à dor, indifrente ao grito
De desgraça que invade a choça do operário!
15
De dia é no labor! Exposto ao sol e à chuva!
De noite, na infecção de uma choupana escura,
Onde breve uma filha há de tornar-se impura
E u’a mulher faminta há de ficar viúva!
16
Nem mesmo o sono acolhe as pálpebras cansadas!
O leito é a umidez dos fétidos mocambos!
O pão é escasso e duro! As vestes são molambos
E o calçado é paiol das ruas descalçadas!
17
Ali, a Medicina é estranho um só prodígio!…
Nunca um livro se abrirá em risos de esperança
Para encher de fulgor os olhos da criança,
Apontando-lhe o céu… mostrando-lhe um vestígio!…
18
Tudo é treva e descrença! O próprio Deus é triste
Ouvindo esse ofegar de corações humanos…
E a Lei – mulher feliz que dorme há tantos anos
-Não acorda pra ver quanta injustiça existe!
19
Onde está esse amor que os sacerdotes pregam?
Os estão essas leis que o Parlamento imprime?
O Código não pode abrir o seio ao Crime,
Infamando o pudor que os Tribunais segregam!
20
Vêde bem da fornalha a rubra labareda!…
Olhai das chaminés o fumo que desliza!…
Pois é o sangue… É o suor do pobre que agoniza
Enquanto a lei cochila entre os divãs de seda!
21
Que é feito desse herói? Ninguém lhe sabe a origem!
O Poder nunca entrou nas palhas do seu teto…
Somente a esposa enferma,o filho analfabeto,
E lá nos cabarés, – a filha… que era virgem!
22
Existe essa legião de mártires descrentes
Em cada fim de rua,em cada bairro pobre!
É desgraça demais que num país tão nobre
Que teve um Bonifácio e deu um Tiradentes.
23
Será preciso o sangue borbotar na lança?
E o cadáver do povo apodrecer nas ruas?
Tu não vestes, ó Lei, as próprias filhas tuas?
Morre, pois, mãe cruel, debaixo da vingança!
24
Mas eu vejo que breve há de chegar a hora
Em que a voz do infeliz é livre – na garganta!
Porque sei que esse Deus que nos palácios canta
É o mesmo Deus que pelos bairros chora!
25
Quanto riso aqui dentro! E lá fora, os brados!
Quantos leitos de seda! E quantos pés descalços!
Já que os homens não vêem esses decretos falsos,
Rasga, cristo, o teu manto! Abriga os desgraçados.
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Ps: Logo abaixo tem uma foto de Rogaciano Leite entre os humildes sertanejos

3 comentários:

  1. Bravo, Poeta, bravíssimo!!!
    Maravilhada e exatasiada com tanta grandeza poética, profundez de sentimentos e visões fantásticas de histórias.
    E...Como Rogaciano deu um toque especial a nossa história!rs
    Linda homenagem...Belíssimo poema!
    Beijos poéticos.

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  2. O seu blog, poeta Gilmar, pelo seu fortíssimo conteúdo poético e telúrico (textos, poemas, fotos, etc) coloca em nossa frente uma miniatura, real, do Nordeste, com seus seus múltiplos aspectos (culturais, socias e até físicos). Ótimos os textos sobre Rogaciano e Zé Marcolino (e o poema sobre este). Um abraço. Zé Rego.

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  3. Obrigado a vocês por ilustrarem meu espaço poético com palavras gentis e de incentivo literário.

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Obrigado pelo comentário