Moacir Santos: Um artista do Pajeú que conquistou o mundo
ENTREVISTA COM MOACIR SANTOS - por Roberto Soares
No final dos anos “oitenta”, encontrei na frente da Matriz de Nossa
Senhora do Bom Conselho, na cidade de Princesa Isabel, um homem negro, elegante
e muito simpático. Tinha aspecto de turista. Ele olhava curiosamente para os
prédios e movimentava o rosto pausadamente em varias direções. Puxei conversa,
imaginando que o galante senhoril almejava informações. Queria de fato palestrar
e naquele instante fui o interlocutor afortunado pelo acaso. Com apenas um
minuto de bom bate-papo, verifiquei que ele era inteligente, educado e respeitável.
Era um “gentleman”, mas se comportava de maneira simples. Identificou-se como
sendo o músico Moacir Santos e pediu-me dados sobre a Revolta de Princesa.
Naquele tempo já tinha lido alguns livros sobre o protagonismo de Princesa
Isabel na Revolução de 1930, então contei o que sabia da terra de Zé Pereira,
Canhoto da Paraíba, Alcides Carneiro e do Brigadeiro Pedro Frazão, entre
outros. Ele ouviu tudo com absoluta atenção e calmamente me disse que tinha
morado em Flores/PE, mas que residia fora. Em seguida, me solicitou que eu
localizasse o saxofonista Manoel Marrocos Sobrinho que, segundo informara,
tinha sido seu orientador em música. Marrocos, além de bom músico, compunha
letras e músicas inesquecíveis, entre elas o ardoroso hino da Padroeira e uma
memorável marchinha de carnaval, bastante ouvidas.
Com meia hora de boa conversa e bastante impressionado com a sua
trajetória de vida, convidei-o para participar de um programa na Rádio Princesa
em companhia de Marrocos. Na época meu sogro era sócio da emissora. Assim, instei
ao único radialista localizado naquele momento, para fazer uma entrevista com o
ilustre visitante. Contudo, o profissional negou-se argumentando que estava fora
do seu horário de trabalho. Apesar de ser neófito, resolvi fazer a minha primeira
participação como entrevistador. Moacir e Marrocos conversaram, trocaram
afabilidades e interpretaram várias músicas de autores inolvidáveis, incluindo
Pixinguinha, Lupicínio Rodrigues, Noel Rosa, Adoniran Barbosa, Cartola, Ary
Barroso e do nosso Jacson do Pandeiro. A emoção, a nostalgia, a qualidade das
músicas e dos seus intérpretes contagiaram. As pessoas ligavam das cidades
vizinhas da Paraíba e de Pernambuco, professando grande satisfação com o
programa. O sax do visitante em si chamava à atenção, pois era um instrumento
muito bonito. Banhado a ouro, permanecia enrolado numa flanela de bom tecido e
era guardado numa bela caixa forrada por dentro com veludo. Disse-me que foi
comprado nos EUA.
Alguns dias depois do tal encontro memorável, vi Moacir ser entrevistado
nas principais emissoras de TV do Brasil: Globo, antiga Manchete e SBT, em
programas nacionais de alta audiência e horário nobre. Em seguida, recebeu das
mãos do Presidente da República a mais importante comenda oficial, a medalha de
Grão-Mestre da Ordem do Rio Branco, segundo anunciara a mídia. Isso ficou
gravado na minha memória.
Passei a gostar mais de Rádio e terminei sendo diretor administrativo da
emissora por dois anos. O tal radialista sem “faro”, por óbvio arrependeu-se
por ter perdido a oportunidade da sua vida, em especial depois da repercussão
natural do programa e das entrevistas concedidas pelo brilhante músico em
importantes emissoras de Televisão.
Moacir Santos era um homem muito bom, afora excelente
profissional. Foi professor de música de grandes artistas. Entre eles, Dorival
Caymmi, Nelson Gonçalves, Nara Leão, Francisco José, Carlos Lira, Baden Powell
e Roberto Menescal, além de ensinar jazz nos EUA, aonde chegou a arranjar trilhas
sonoras de alguns filmes, entre eles “Amor no Pacífico”. Foi para os Estados
Unidos em 1968 e logo integrou a Associação dos Professores de Música da Califórnia,
recebendo no “Brasilian Summer Festival”, realizado em Los Angeles em 1996, o “Tribute
To Moacir Santos”. Há comentários de que a música do famoso desenho animado
“Pantera Cor de Rosa” é de sua autoria. Perdera os direitos autorais numa
manobra de um dos estúdios de cinema americano.
Contam que sua mãe morreu de parto, deixando uma filha, sendo ela a única
irmã, adotada por uma senhora de Flores. Seu pai era policial da PMPE e, provavelmente
vítima do cangaço desapareceu sem deixar pistas. Aos 14 anos, órfão de pai e de
mãe, saiu pelo mundo. Trabalhou em diversas bandas de música, desafiando todos
os instrumentos, sem exceção. Para integrar uma banda numa cidade da ribeira do
Pajeú, foi obrigado a tocar todos os instrumentos senão não seria contratado,
isso aconteceu por preconceito do maestro, que logo se rendeu à genialidade. Deus
protegeu o órfão.
Trabalhou na Fábrica Peixe em Pesqueira/PE e depois foi para João Pessoa
onde conheceu a paraibana Cleonice com quem se casou. Passou a tocar na Banda
de Música da Polícia Militar da Paraíba e, em seguida na Orquestra da Rádio Tabajara.
Apresentou-se em Recife no famoso programa Vitrine do Cinema Boa Vista, esteve
um tempo em Salvador, foi para o Rio de Janeiro com a finalidade de tocar na
Rádio Nacional e, finalmente, passou a residir nos EUA, quando teve a
oportunidade de ir até Cuba, em viagem de passeio, conforme me informou o
requintado músico. Queria conhecer de perto a música cubana. Era um estudioso
da música.
Foi parceiro e amigo de Vinícios de Morais, tanto que esse ilustre
nordestino lhe presenteou um verso denominado Samba da Bênção: “A benção
maestro Moacir Santos, que não és um só, és tantos. Tantos como o meu Brasil de
todos os santos, inclusive meu São Sebastião. Saravá!”
Após conhecer o admirável Moacir Santos, o homem que fez da arte da
música, da brandura e da serenidade os seus maiores nortes, fui visitar o meu
pai que era auditor fiscal aposentado e músico desde a infância, hoje falecido.
Tocava saxofone, clarinete e requinta, esse último parece um clarinete de som
fino e é um pouco difícil de tocar e de afinar. Seu João Soares chegou a ser
maestro. Mas, em consequência de um AVC, ficou com o braço esquerdo paralisado
e, de modo óbvio impedido de tocar. Chegando à casa do meu genitor, disse-lhe
empolgado que tinha conversado com um grande músico e, alardeando um pouco lhe
contei os detalhes. Para minha surpresa, respondeu o meu pai: “Moacir é meu
amigo de longas datas. Fomos colegas da Filarmônica Vilabelense de Serra
Talhada. Ele tocava sax alto mi bemol comigo e os queridos companheiros Edésio
da orquestra “Edésio e Seus Red Caps”, Antônio Magalhães (Antônio Ceguinho),
Antônio Nogueira (Cabecinha), Severino Rufino, Genival, entre outros, sob a
regência do nobre maestro Luiz Bejamin, pai do Cel.PMPE Valter Bejamin”.
Fiquei surpreso com essas últimas informações e grato pela casualidade,
que me deu o direito de conhecer de forma interessante um dos maiores músicos
do mundo.
Apesar de ter se radicado em Flores, Pernambuco,
cidade adjacente à Princesa Isabel/PB aonde chegou com apenas 03 anos, Moacir
Santos nasceu nos arredores de Serra Talhada/PE, nas proximidades de São José
do Belmonte/PE, por volta de l926. O Eminente maestro, professor, arranjador,
saxofonista e compositor, faleceu no dia 06
de agosto de 2006, com 80 anos.
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