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domingo, 24 de maio de 2009

RIO PAJEÚ
Poema Épico

Grande rio de mágico mistério,
Correnteza imortal da inspiração,
O reinado sublime do Sertão,
Onde o canto é levado muito a sério.
Cada verso demonstra nobre império
Onde o vate governa soberano;
Expressando o cantar parnasiano
Numa enchente de verve cristalina,
Que em cascatas vem da mente divina
Para encher de ternura o peito humano.

És nascente do audaz Rogaciano
Defensor voraz dos trabalhadores;
Teu jardim resplandece lindas flores
Que “Cancão’’ plantou com amor arcano.
Foi Marinho o primeiro mestre ufano
Que subiu o estandarte da poesia.
Job Patriota lirismo em fantasia,
Lourival trocadilho inusitado,
Grandes mentes dum sol iluminado
Onde a verve com brilhos extasia.

És vertente que tem filosofia
Através do erudito Bio Crisanto,
Um filósofo que ao invés do pranto
Derramava correntes de alegria.
Quem passava na humilde moradia
Via o exemplo fiel da evolução,
Dum filósofo sem locomoção
Dando passos com sábios pensamentos,
Expressando sublimes sentimentos
Sobre as trilhas dum puro coração.

Nascedouro imortal da criação
És a fonte dos grandes repentistas,
Cachoeira dos “três irmãos Batistas”,
Valdir Teles veloz como um tufão,
Zezé Lulu cantou todo o Sertão,
Zé Catôta na glosa é imensurável,
Ismael repentista admirável,
E João Campos corrente cristalina,
O fulgor de Antônio de Catarina,
O “baú” de um Dedé inesgotável.

Pajeú, teu poema é memorável!
Mestre Aleixo revela com carinho,
Nos mostrando com luz o teu caminho
Num saber de grandeza inexorável.
A família Rabelo inquestionável
É um marco do reino encantado;
O saber desse povo coroado
Tem no trono o valor da poesia,
Declamada e escrita com magia
Construindo com versos teu legado.

Cada vate é um rei admirado,
Que governa através do coração,
Castigando seu povo de emoção
Com o beijo do verso ritmado.
Amorim, um poeta inveterado;
Adalberto, pureza imaginável;
Edinaldo que mostra o admirável;
Lulu Neto e Vinicius Gregório,
Com Arlindo e um “Rocha” tão notório,
São enchentes do verso inesgotável.

São os “Passos”, a fonte interminável,
Numa Grécia coberta de lirismo,
Onde brota o fulgor do romantismo,
De maneira sublime, inigualável.
Quem caminha no teu solo infindável
Sente as flores da mente que extasia;
Duma terra com sendas de poesia
Onde o povo navega o coração,
Na corrente imortal da inspiração
Encantando o viver com fantasia.

Cada córrego brota a melodia
Através do “Caboclo Sonhador”;
Um menino tropeiro cantador
Que nos dedos tem veio de harmonia.
O Zé Dantas compôs com maestria,
Matricó faz canções usando o pinho,
Nas barrancas a neta de Marinho
Faz um canto com toda devoção,
Numa enchente de linda entonação
Com beleza, doçuras e carinho.

Por imenso que seja o pergaminho
Pra falar dos ilustres moradores,
São centenas de músicos e escritores
Dando brilho ao poder do remoinho.
Cada enchente de verso abriu caminho
Para nova e brilhante geração;
São valores de grande criação
Com fulgor, sentimento e beleza,
Aumentando com luz a correnteza
No profundo lençol da inspiração.

Cada artista através da perfeição
Pinta quadros com mágico pincel,
Demonstrando de forma bem fiel
As imagens que vêm do coração.
Os seus traços têm cores do Sertão
Que o poeta “Filó” em versos pinta,
Desenhando de forma bem distinta
A paisagem encantada da poesia,
Num painel de beleza e fantasia
Ilustrado por uma oculta tinta.

A grandeza jamais será extinta
Na planície fiel da inspiração,
Porque existe um perene coração
Escorrendo uma verve que não finta.
Quem bebê-lo é difícil que não sinta
O sabor delicado dos sentidos,
Onde a fonte cristal dos tempos idos
Continua jorrando o sentimento,
Recebendo o parnaso “Nascimento”
Através dos sonetos construídos.

Teu jardim tem canteiros coloridos
Onde as flores liberam sua essência,
Perfumando com lírica fluência
Os recantos sublimes dos sentidos.
Colibris multicores destemidos
Bebem o néctar límpido das flores
Dando vôos delicados nos verdores;
E as sutis e pequenas borboletas
Num balé demonstram mil piruetas
Enfeitando o painel dos esplendores.

Quando a tarde desmaia, os temores
Tomam conta do homem sertanejo
E o mistério da noite dá seu beijo
Sobre a face temível dos pavores;
Uma rã solta seus gritos de dores,
Enlaçada por rápida serpente;
Outros bichos despertam do latente
Pra saírem na negra escuridão,
Na rotina infalível do Sertão,
Assombrando o viver de muita gente.

Quando chega a época da enchente
Os meninos derrotam seus auspícios;
Sem temerem profundos precipícios,
Dão mergulhos vencendo a corrente.
A jurema com espinho contundente
É levada num grande arrastão;
Velhos troncos tirados do seu chão,
São caronas pra toda meninada,
Parecendo uma rápida jangada
Entre as águas fluídas do grotão.

Tuas águas banharam Lampião,
Cangaceiro de força destemida,
Que passou quase toda a sua vida
Enfrentando os soldados da nação.
Para muitos foi líder do Sertão,
Que assombrou fazendeiros poderosos;
Enfrentou secas, tempos invernosos,
Desbravou mil caatingas com coragem;
Nas ribeiras dormiu fez a passagem
Comandando seus cabras corajosos.

É nos tempos de invernos caudalosos
Que o teu veio aumenta ferozmente,
Numa fúria veloz onde a corrente
Tem a força dos tigres poderosos.
Os remansos com giros revoltosos
Movimentam as águas vermelhadas,
As lagoas são todas inundadas
Pelas fortes vazantes das ribeiras,
Renascendo pequenas corredeiras
Das planícies que foram alagadas.

Quando seco, visões mal assombradas
Formam cenas tristonhas de pavor;
O sofrer do Sertão sente o fervor
Numa dor de tristezas desoladas.
As carcaças das vacas ressecadas
Pelo sol escaldante do verão;
São fantasmas de grande assombração
No painel desolado dos tormentos,
Retratando milhões de sofrimentos
Num semblante de trágica feição.

No passado viveu grande nação
Habitada por tribos de guerreiros,
Que cruzavam com passos bem maneiros
Todo o vale, ribeira e o grotão.
Foram bravos de puro coração
Como prova de um reino encantado;
Qualquer vate que esteja inspirado
Bota flores de versos em tuas sendas
Enfeitando de cantos belas lendas
Da nação do guerreiro delicado.

O presente conquista teu passado
O futuro tem flores de esperança;
Até mesmo da mente da criança
Surge o pólen dum verso improvisado.
Sobre a margem o vaqueiro encourado
Solta a voz qual poetas soberanos;
Lindos pássaros com cantos arcanos
Improvisam nos velhos arvoredos;
Nos casebres das margens, mil segredos
São histórias de menestréis ufanos.

És passagem dos nômades ciganos,
Retirantes das secas infernais,
Que procuram lugares invernais
Pra salvar o seu povo de mil danos.
Foste palco de embates desumanos
Na tragédia selvagem do passado;
Sobre “Pedra Bonita*” está marcado
Cada traço de sangue do inocente,
Que, iludido, morreu sonhando crente
Nas promessas dum “Reino Encantado”.

Pajeú, quando vejo teu reinado
Expressar menestréis encantadores,
São as pétalas fúlgidas das flores
No jardim do lirismo improvisado.
Cada artista desvenda o ocultado
Através do poder da intuição;
Tens nas veias sublime criação,
Na grandeza dos nossos monumentos,
Onde os versos escorrem sentimentos
Duma fonte chamada coração.

E por mais que eu procure inspiração,
Que desenhe teus quadros de beleza,
Fica um córrego minha correnteza,
Comparada com tua imensidão.
Não consigo falar com precisão
Pra mostrar o teu reino encantado,
Já estou com meu peito esgotado,
Minha mente perdeu a consciência,
Chamo um vate que tenha competência
Pra acabar meu poema inacabado.

* O Massacre de Pedra Bonita
A Tragédia da Pedra Bonita, ocorreu num lugar localizado na Serra Formosa, no município de São José do Belmonte, Sertão do Pajeú Pernambuco. Um grupo de fanáticos sebastianistas, liderado por João Antônio dos Santos, fundou uma espécie de reino, com leis e costumes próprios e diferentes dos do resto do país. Seu líder era chamado de rei e usava até coroa feita de cipó. Nas suas pregações ele dizia que o rei Dom Sebastião lhe havia aparecido e lhe mostrara um tesouro escondido; e que o rei estaria prestes a retornar e iria transformar todos os seus seguidores em pessoas ricas, jovens, bonitas e saudáveis. O grande número de pessoas pouco esclarecidas que seguiu os fanáticos de Pedra Bonita preocupou o governo, os fazendeiros e a Igreja Católica. Foi enviado o padre Francisco José Correia de Albuquerque para tentar fazer as pessoas voltarem ao seu lugar. O padre conseguiu convencer João Antônio a parar com a pregação, mas este deixou em seu lugar o cunhado João Ferreira, que se tornou o mais fanático e cruel rei da Pedra Bonita. Ele pregava que Dom Sebastião só voltaria se a Pedra Bonita fosse banhada com sangue de pessoas e animais, comandando um grande massacre de pessoas inocentes em maio de 1838. Entre os dias 14 e 18 morreram 87 pessoas. No dia 18 de maio o arraial da Pedra Bonita foi destruído pelas forças comandadas pelo major Manoel Pereira da Silva.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Poeta Zé Catôta





Estão vendo esta velhinha
Toda envolvida num manto,
Com os olhos rasos d’agua,
Tomando banho em seu pranto?
Cantava quando eu chorava,
Hoje chora quando eu canto!
Zé Catota


Zé Catôta partiu deixando a flor
Sobre a forma singela da poesia


Glosador da orquídea da saudade
Que exalava um poético perfume,
O seu verso Luzia um vaga-lume
Nos tocando com dócil claridade.
No seu canto brilhava a liberdade
Das abelhas brincando com magia;
Seu repente foi linda fantasia
Nos plantando a semente do amor,
Zé Catôta partiu deixando a flor
Sobre a forma singela da poesia.

Foi poeta, um bardo peregrino,
Da pureza na lírica essência,
A cantiga foi mágica existência,
Como o córrego belo e cristalino.
O seu verso mostrava o tom divino
Das floradas brilhando de alegria;
No repente escorria a melodia,
E na voz, revelava o seu fulgor;
Zé Catôta partiu deixando a flor
Sobre a forma singela da poesia.

Muitas vezes ouviu o acalanto
Entoado na voz da mãe singela,
E dormia ao som da canção bela,
Deitadinho, no plácido recanto.
Depois viu o crepúsculo do pranto,
Na montanha da mãe que padecia;
Ofertou o seu canto de harmonia
Onde o verso enterrou a triste dor;
Zé Catôta partiu deixando a flor
Sobre a forma singela da poesia.

Pajeú, hoje sofre de tristeza,
Pela perda do mestre do repente,
Cada flor, cada pedra inda sente,
Lindos versos beijando a correnteza.
O seu canto mostrava a profundeza
Quando a alma do peito extasia;
Cantador que exalava a sinfonia;
Um tenor sabiá, ao sol se pôr,
Zé Catôta partiu deixando a flor
Sobre a forma singela da poesia.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

ALMA DE CANTADOR


Sou cantor das belezas do sertão
Andarilho na estrada do destino
Carregando meu sonho de menino
E nos ombros, plangente violão.
Na minha alma carrego uma canção
A herança dos velhos menestréis
Que cantavam nas feiras de cordéis
Os romances de nobres cavaleiros
As bravuras de loucos cangaceiros
Nas batalhas ferinas e cruéis.

Sou poeta do povo do nordeste
Tenho as cores da seca e do inverno
O meu canto retrata um sonho eterno,
Minha voz melodia um som agreste.
A florada é a roupa que me veste
O meu mestre é um velho sabiá
O que canto é somente o meu lugar
Desde as feiras às festas na fazenda
Tendo a noite como uma linda tenda
Vendo o céu num sutil beijo lunar
.

terça-feira, 12 de maio de 2009















Severina Branca (foto 2009)

Sou mulher de sentimento
As duas da madrugada
Levando a chave na mão
Deixando a porta trancada
E uma filha na cama
Sem esperança de nada.
Severina Branca


A POESIA LAUDATÓRIA NORDESTINA NOS VERSOS DE GILMAR LEITE, SOB A LUZ DO ROMNTISMO

Por Alexandre Gurgel

Mesmo fazendo versos sem ciência do termo “laudatório”, alguns poetas nordestinos cantam exaltando a vida, por vezes sofrida, de personagens do cotidiano sertanejo, como se a literatura já fosse inerente n’alma do vate. O poeta Gilmar Leite, natural do sertão de São José do Egito, cidadezinha pernambucana às margens do Rio Pajeú, em seus versos, canta uma louvação a uma prostituta que viveu na cidade nos idos de 70, chamada Severina Branca. No tempo em que as meretrizes eram muito pobres ou de pouca beleza, vendendo o corpo para alimentar seus filhos, muitas vezes de pais que não assumiram, e sem o amparo dos órgãos governamentais, Severina Branca foi a pioneira naquele recanto sertanejo de pouca fartura.
Na voz de Severina Branca, o poeta Gilmar Leite decanta a alma romântica do “eu oprimido”, esmagada pela solidão e pela brutalidade do mundo. Uma espessa melancolia se apossa dos seus versos, e por todos os lados vê-se o lado sombrio e inútil da existência. Ao sentir que os seus vínculos com o mundo foram rompidos, o poeta apega-se no próprio “eu”. Um “eu” incômodo, estranho, que ameaça ora com o caos, ora com o êxtase, ao mesmo tempo, um “eu” angustiado, incapaz de transformar o mundo. O poeta utiliza aspectos da literatura romântica com gritos de subjetividades que confessam seus medos e sofrimentos.
Gilmar Leite verseja a inconformidade do artista romântico com o “mundo cruel” com uma série de procedimentos de fuga, dando voz à Severina Branca, cujo silêncio da noite é a única testemunha daquela vida de muitos pecados. Já que a sociedade não quer escutá-la ou não sabe compreendê-la, já que ela está perdida numa realidade incômoda e brutal, já que sua sensibilidade não possui força para mudar o destino, resta-lhe apenas a tentativa de escapar dessa noite silenciosa, abrindo seu coração para as amarguras da vida.
Uma das características românticas é o “mal do século”, uma “enfermidade moral” e não física. Resulta do tédio (“ennui”, “spleen”), mas não do tédio comum (aborrecimento diante da chatice da vida). A concepção romântica aponta para um aborrecimento desolado e cínico, que ressalta tanto a falta de grandeza da existência cotidiana quanto o vazio dos corações sem esperanças. Estes acreditam ter vivido todas as paixões e ter experimentado todos os abismos. Severina Branca cria uma espécie de sentimento mórbido de insatisfação da vida e de manso desespero, com a alma machucada de torturas. Algo próximo à sensação de absurdo da vida, quando Severina roga a Deus para que sua vida seja levada, terminada aquele sofrimento agourado por aves estrigiformes de hábitos noturnos.
Em contraponto ao presente insatisfatório, o poeta encontra elementos românticos, constantemente no passado, com versos sublimes, delineando intelectualmente seus valores. Esta condição de mito, onde Severina Branca é ovacionada, obedece a uma tendência de fuga da realidade, pois, de acordo com os ideais românticos, tanto o mundo medieval como o mundo infantil representa o paraíso perdido, uma época de ouro na qual as criaturas seriam felizes. Pela nostalgia de um tempo que os artistas do Romantismo desconheciam - caso do passado histórico - nega-se o presente, hostil e causador de sofrimentos, conforme podemos ver na narrativa do poeta Gilmar Leite.
Na poesia romântica brasileira, há grande variedade métrica, de ritmos e de rimas, indicando a liberdade de composição que os autores experimentam. Gilmar leite começa a cantar as desventuras de Severina Branca usando um dístico, glosado e rimado em versos decassílabos. O poeta faz uso intenso de adjetivos, em função de sua força expressiva e de seu poder de qualificar uma numerosa gama de sentimentos expressos no peito de Severina. Os adjetivos, segundo os românticos, ampliam ao máximo a conotação emotiva das palavras, fixando tonalidades e nuanças da natureza e das paixões humanas.
A saudação aos heróis Dante e Virgílio, criando um vínculo divino entre o poeta e o legado dos antigos aedos, serve como guia para contar a história daquela mulher mitológica, que amargou as horas do ocaso, flamejadas nas manhãs do sertão de Pernambuco. Ao longo do poema, Gilmar Leite usa uma linguagem romântica, deixando a impressão de nobreza naquele sofrimento sem fim e dando ênfase declamatória à Severina Branca, através de metáforas, hipérboles, alegorias e outras figuras. De alguma maneira, o lirismo desse poeta pernambucano alcançou o grau laudatório dos grandes poetas românticos, conduzindo seus versos para o encantamento, revelado na voz de Severina Branca.
Observação de Gilmar Leite: O mote abaixo, que é o titulo do poema, foi feito pela poetisa/meretriz Severina Branca. Ele foi dado na década de 70, quando então cantavam em São José do Egito, na barbearia de Zé Rocha, os poetas repentistas Job Patriota e Zé Catota (ambos já falecido). Já descambando pra meia noite, a poetisa perambulando pelas ruas da cidade chega ao recinto da cantoria e fica assistindo aos vates em noite de inspiração. No momento do silêncio da viola, enquanto os cantadores tomavam um aperitivo, alguém presente na cantoria sugeriu que a poetisa desse um mote pra os bardos improvisarem. A poetisa/meretriz na sua angústia e dor disse o mote abaixo, que por si só é um poema. Os cantadores improvisaram; só que os versos se perderam entre as paredes daquela madrugada fria de outrora, sem haver nenhum registro do que foi feito sobre o mote da poetisa/meretriz. Ela depois fez alguns, que infelizmente se perderam na oralidade; e outros poetas também fizeram, abordando o tema. Eu nunca imaginei fazer um dia, pois pensava que o assunto já tinha se esgotado. Mas certa noite, eu fui tomado pela inspiração e fiz os decassílabos abaixo sobre o mote de Severina Branca. Hoje, Severina Branca reside num povoado distrito de São José do Egito chamado “Mundo Novo”. Nos dias de feira (sábado), antes dos primeiros goles de álcool a poetisa/meretriz ainda consegue dizer alguns versos de sua autoria.


O silencio da noite é quem tem sido
Testemunha das minhas amarguras



Mergulhei nos abismos infernais
Que nem Dante deu passos com Virgilio
Na loucura de achar algum auxílio
Eu sofri nos subúrbios marginais.
Vi o ocaso nas horas matinais
Entre os braços de estranhas criaturas
Os contatos fortuitos às escuras
Ecoavam com um sopro dum gemido
“O silêncio da noite é quem tem sido
Testemunha das minhas amarguras”.

Troquei beijos com bocas amargosas
Sob as luzes de um velho candeeiro
E dos corpos senti estranho cheiro
Entre as sombras de noites vaporosas.
Hoje as marcas das dores horrorosas
São sinais dos momentos de loucuras
Machucando minh'alma com torturas
E deixando o meu ser enlouquecido
“O silencio da noite é quem tem sido
Testemunha das minhas amarguras”.

Inda sinto o tremor da mão suja
Afagando o meu corpo pecador
Ao invés do prazer sentia dor
E no peito uma voz dizendo fuja.
Entre as brechas das telhas a coruja
Agourava as minhas desventuras
Eu gritava pra Deus lá nas alturas
Leve logo este ser que é tão sofrido
“O silencio da noite é quem tem sido
Testemunha das minhas amarguras”.

Muitos homens chegavam embriagados
Dando chutes na porta como loucos
Os gentis para mim foram tão poucos
Eram seres tristonhos, reservados.
Eu perdi a noção dos meus pecados
A miséria causa-me tonturas
Numa vida com facas de agruras
Que cortavam meu peito ressequido
“O silencio da noite é quem tem sido
Testemunha das minhas amarguras”.

Sobre a cama meu corpo se tremia
De fraqueza, de fome e de sede;
Noutro canto a filhinha numa rede
Quem olhasse pensava que dormia.
Pois a fome causava-lhe agonia
Lhe roubando fagulhas de venturas
Eram cenas cruéis de vidas duras
Condenadas num mundo corrompido
“O silencio da noite é quem tem sido
Testemunha das minhas amarguras”.

Hoje eu vivo jogada ao relento
Sem um teto sequer para dormir
O passado, o presente e o porvir,
Me jogaram no duro calçamento
Condenada num frio isolamento
O meu corpo só tem as ossaturas
Pra os insetos fazerem aventuras
Ferroando o que já foi consumido
“O silencio da noite é quem tem sido
Testemunha das minhas amarguras
”.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A LENDA DO PAJEÚ


Sobre a margem do rio tão lendário
Um pajé com feitiços curandeiros
Com as ervas tratava os guerreiros
Demonstrando um poder imaginário.
O pajé era um homem solidário
Benzedor de valor e grande brio
Feito as águas divinas do seu rio
Que escorria nas margens pedregosas
Dando curvas de formas engenhosas
Que o seu leito ficava todo esguio.

Quando alguém procurava a fantasia
Para entrar em contato com o além
O pajé conduzia como quem
Não voltasse do mundo da magia
Da cabana se ouvia a sinfonia
Da orquestra das águas entre as rochas
Recebendo o clarão em grandes tochas
Que chegava dos ósculos lunares
Pra tocar com fulgores velhos lares
Feito o beijo dos lábios das cabrochas.

A cabana do mestre feiticeiro
Que ficava na margem tão curvada
Tanto era um ponto de chegada,
E a ida do fluxo bem maneiro.
Sempre havia a presença do guerreiro
Com seu corpo veloz e quase nu
Mergulhando onde a curva faz um “U”
Sem saber do futuro encantado
Onde iria surgir outro reinado
Pra brilhar no lendário Pajeú.

sábado, 9 de maio de 2009

ÁGUAS DO PAJEÚ

Como sangue que borbulha pulsante
Das artérias que saem dum coração;
Cada estrofe tremula em borbotão
Do fugaz Pajeú, sempre vibrante.
Sua fonte transborda a alma brilhante
Sobre o leito que corre sentimento,
Onde as artes são veios do alento
Transbordando de sonho e fantasia,
Inundando as ribeiras de poesia
Onde a verve demonstra o “Nascimento”.

A viola que serve de instrumento
Solta o som da pequena correnteza,
Pra banhar os sentidos de beleza
Com afetos suaves como o vento.
Na vertente cristal do pensamento
Cada córrego que flui nos rochedos,
Leva versos cobertos de segredos,
Para um vale de lírica existência,
Onde está a sensível consciência
Pra florir o viver com cantos ledos.

Sobre as margens, antigos arvoredos,
Têm nos galhos as flores do improviso,
Onde o canto demonstra um paraíso
Na paisagem sutil dos versos quedos.
O repente que desce nos lajedos
Vem da fonte veloz da inspiração,
Cada flor tem um verso de “Cancão”,
Nas barrancas há troncos dos “Batistas”,
Cada som tem a voz dos repentistas,
Numa enchente do verso e da canção.

Nos seus córregos se ouve a entonação
Dos cantores cantando em serenatas,
Transbordando o lirismo em cascatas
Através dum sonoro violão.
O veloz Pajeú da inspiração
Quando desce conduz os mil poemas,
Enfeitando com dúlcidos emblemas
As distintas paisagens dos sertões,
Atingindo os sensíveis corações
Na enchente fugaz dos belos temas

Sobre as margens se escutam nas juremas
Alguns versos passando em ventanias,
Tendo o eco de antigas cantorias,
Onde o campo e a vida são os lemas.
Nos regatos se encontram os poemas
Flutuando nas águas do repente;
Quem passar na ribeira ainda sente
Os fantasmas poetas do passado,
Que fizeram do canto improvisado
Uma fonte que não seca a vertente.

Os remansos que surgem da enchente
Trazem versos do vate “Bio Crisanto”;
Um poeta atingido pelo pranto
Com espinhos no corpo e flor na mente.
Quando as águas tremulam na corrente
São poemas do audaz de Rogaciano,
Que cantou contra o mundo desumano
Na defesa dos pobres e oprimidos,
Que nas margens soltavam os gemidos
“Flagelados” no mar do desengano.

Sobre o leito transcorre o verso ufano
Dum poeta que ainda é menino,
Através dum poema cristalino
Mais profundo e maior que o oceano.
Cada enchente que chega todo ano
Vem da fonte dum vate delirante,
Cuja idade mudou todo semblante
Mas a mente revela seus primores
Onde os versos transbordam esplendores
Enfeitando a esperança verdejante.

Sobre as ondas o verso triunfante
Representa o poeta Antonio Marinho
Seu repente foi quem abriu caminho
Numa enchente do verso fulgurante.
Cada veio que desce a todo instante
Traz as águas dum vate mais recente
Aumentando o volume da corrente,
Onde as mil borboletas da poesia
Tomam banhos nas águas da magia
Refrescando um sentido aurifulgente.

Cada córrego de água transparente
Mostra o fundo da nobre inspiração,
Parecendo que o rio tem coração
Onde o verso é seu sangue fluente.
Cada vate aumenta sua enchente
Quando verte do peito inspirado,
Uma fonte do canto improvisado,
Demonstrando o poder da criação
Através dum rio que tem coração
Em que o verso é seu córrego encantado.

Num rochedo se encontra enganchado
Os delírios de Job, “Rei do lirismo”,
Que cantou no repente o romantismo
Sobre as águas dum peito apaixonado.
Pajeú é um rio onde o reinado
Foi erguido através da poesia;
No seu reino governa a fantasia,
No seu trono quem senta é o sentimento,
Sobre as águas navegam como o vento
As canções dos poetas todo o dia.

É comum encontrar a melodia
Da canção dos poetas cantadores,
Ou painéis de fantásticos pintores
Sabre as águas descendo em harmonia.
Os orvalhos da aurora que irradia
Têm nos pingos gotículas de versos,
Que se somam aos poemas submersos
Aumentando a corrente dos encantos,
Que transborda de versos e de cantos
Enfeitando os mil córregos dispersos.

Sobre as águas fluem vates diversos,
As paisagens têm telas dos pintores,
Na corrente tem vozes dos cantores,
Do profundo sobem sábios imersos.
Nas cascatas brilham cantos emersos,
Estrondando nas rochas dum grotão,
Revelando o lirismo do sertão,
Através dos encantos da poesia
Para um lago de lenda e fantasia,
Que transcende do fundo um coração.

Eu só peço pra nova geração
Para não poluir as águas puras,
Através das efêmeras culturas
Com dejetos da massificação.
O voraz monstro da alienação
É a mancha do rio que é divino,
Não respeita o poeta genuíno
Muito menos o brilho da história,
Onde o vate despeja da memória
A corrente do verso cristalino