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quinta-feira, 26 de novembro de 2009


O poema abaixo foi publicado na antologia poética "Retratos do Sertão", organizada pelo Poeta Marcos Passos
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DOIS SERTÕES
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O Sertão é cruel e violento,
Mas também, é profundamente humano,
Quando seco, é macabro e desumano,
Quando verde, produz contentamento.
Tem miséria e também tem alimento,
Paradoxo de risos e de prantos;
Desencanta e demonstra mil encantos,
Revelando cenários de dois mundos
Um lugar de mistérios bem profundos,
Cada qual envolvido nos seus mantos.

Quando seco, os troncos contorcidos,
Das juremas com galhos ressecados,
Se parecem com corpos condenados
De famintos soltando mil gemidos.
Secos ramos são braços estendidos,
De fantasmas pedindo um alimento;
Num deserto de fome e de tormento,
Assustando quem passa no recinto,
Onde a vida é um fel feito absinto,
Amargando num triste sofrimento.

Se chover, tudo muda, velozmente:
Os fantasmas das árvores peladas
Vestem roupas de cores variadas,
Acabando o macabro ambiente.
O campônio vai pra roça contente,
Carregando no peito a esperança;
A mulher toma conta da criança
Tocaiando as panelas no fogão,
Na certeza de ter milho e feijão
Pra acabar sua fome, com bonança.

O deserto que, antes existia,
Com espinhos e serpes venenosas,
Dá lugar a paisagens primorosas,
Parecendo uma outra moradia.
Na campina aparece a sinfonia,
Duma orquestra de pássaros cantantes;
Borboletas, em ritmos dançantes,
Num balé, fazem mil vôos delicados;
Os sutis colibris, bem refinados,
Beijam flores, iguais a dois amantes.

Na vazante que estava ressecada,
A lagoa transborda na enchente;
Um tetéu solta seu canto contente
Num cantar que anima a passarada.
Sobre a terra que estava calcinada
Surge um córrego, puro e cristalino,
Dando beijo num grão bem pequenino,
Para em breve virar uma planta em flor,
Colorida e exalando um doce olor
Através de um perfume tão divino.

Sobre os galhos frondosos da aroeira,
Que na seca a visita era o sol quente
Quando chove, recebe alegremente,
Cada espécie de ave trepadeira.
Um tenor sabiá de voz brejeira
Solta um canto, coberto de esperança,
O qual mostra uma era de bonança
Diferente da época passada,
Quando quase morreu a passarada
Nos espinhos da vil desesperança.

O esquálido rio que estava morto
Ressuscita seu leito quando chove
O campônio no peito se comove
Que desperta a alma num conforto.
Fica olhando às águas, absorto,
Contemplando a mudança da paisagem
Onde antes só tinha a seca imagem
Vê o rio caudaloso com primores
Desenhando na tela mil fulgores
Onde o verde demonstra a mensagem.

O complexo sertão mostra dois mundos
Os quais são totalmente diferentes,
Com imagens e vidas oponentes
De heróis, que também são moribundos.
Os seus vales são ricos e fecundos;
Basta à chuva cair freqüentemente,
Que do chão brotará uma semente
Demonstrando um sinal de esperança,
Igualmente o sorriso da criança
Que verdeja o sertão que há na gente.

terça-feira, 17 de novembro de 2009


Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece


De manhã caminhando na campina
Entre as flores silvestres do sertão,
Despertou no meu ser uma visão
Vendo o pranto caindo em ondina.
A tristeza da flor bem pequenina
Era a cena da vida que padece;
Parecia um alguém fazendo prece
Com temor dos castigos mais ferinos,
Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece.

Suas pétalas tristonhas, sem ter água,
Se desfez dos belíssimos fulgores,
Cada pingo dos olhos eram as cores,
Se apagando no pé da triste mágoa.
A tristeza voraz causava frágua
Como alguém que, maldoso, lhe dissesse:
Hoje a vida pra você arrefece,
Só lhe resta o mais triste dos destinos,
Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece.

Borboletas voavam pelos campos
Assustadas faziam vira-volta;
A tristeza da flor dava revolta
Até mesmo aos calmos pirilampos.
Ela só tinha a frente os escampos
Onde a vida perdura e esmorece,
No deserto da angústia que entristece
A beleza que tem seus toques finos;
Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece

Até mesmo um pequeno beija-flor
Que voava em busca de uma essência,
Fez um pouso com lírica cadência
Vendo a flor com tristeza, sentiu dor.
Procurou com seu bico dar amor
Lhe beijando e dizendo a vida cresce;
Não se curve, que a dor desaparece,
Tenha fé nos poderes mais divinos,
Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Maciel Melo: Eterno "Caboclo Sonhador"
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Breve Comentário Sobre O Caboclo Sonhador Maciel Melo
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Desde o distante trilhar, no “Desafio das Léguas”, que o “Caboclo Sonhador” Maciel Melo vem montado no seu cavalo de versos e canções, rompendo a caatinga da anti-cultura, em busca de mostrar seus cantos e cantigas, dizendo “Sim e não a Reis e Rainhas”, e entoando a voz “Que Nem Vem-Vem” para os quatros cantos do Brasil.
Violeiro de primeira linha e portador de uma voz belíssima, o cantador pajeusense da poética princesa Iguaraci, louva “O veio d’água do Rio Pajeú”, o lendário feiticeiro da poesia e dos cantos, quando junto com seu violão universaliza a sua aldeia através de uma poética telúrica e comprometida com as raízes profundas da identidade sertaneja. Com o “Coração tão Sertanejo”, Maciel Melo vem abrindo “Alas para um novo Cantador” e nos mostrando através do seu canto universal a grandeza de um povo que não ficou tão órfão com a partida do “Rei do Baião”. O “Caboclo Sonhador” Maciel Melo trilha muito bem sobre as diversas formas de compor e cantar o Sertão nordestino. No seu trabalho encontramos o que se chama de erudito, de toada, de cantiga ou de herança trovadoresca, onde sua voz e seu violão de forma plangente ou não, nos mostra o Sertão com profundidade melódica e poética, onde “A barra-do-dia-a-dia” mostra a aurora de um cantador que tanto canta a dor crepuscular da vida sertaneja, como canta as auroras do Sertão na sua forma mais bela e encantadora. O cantador/menino que tem veios d’água do rio Pajeú nos seus dedos e coração sertanejo criou de forma muito peculiar o jeito de tocar o baião no violão, inventando uma batida inovadora, como fez João Gilberto através da Bossa Nova. Além de ser um trovador/erudito, o cantador do Pajeú é um dos maiores cantores e compositores no universo do Baião, Xote e demais ritmos da música que imortalizou o saudoso Luiz Gonzaga.
Ouvir as melodias telúricas do “Caboclo Sonhador” Maciel Melo nos remete as noites de São João, quando as “Damas de Ouro”, com seus vestidos de chita, multicores, enfeitavam as festas juninas, repletas de candura e inocência sertaneja. Caminhar “Na poeira e na estrada” dos xotes do cantador de Iguaraci é possível encontrar o amigo/cantador jogando luzes na escuridão das almas aflitas pelo mundo do desamor. Ao penetrar no profundo “Coração tão Sertanejo” da tropeiro/cantador percebe-se as “Marias da Labuta” do imenso mosaico/humano sertanejo, que como o "umbuzeiro elomariano", resiste às enchentes das dificuldades da vida, para cuidar da prole e do árduo trabalho camponês. A música de Maciel Melo é um trato puro e fino para falar do povo da sua aldeia sertaneja, que como os povos do mundo inteiro, sofrem as mesmas vicissitudes e alegrias dos que habitam o planeta terra. O Vate do Pajeú não inventa música, ele se faz cronista e cantador peregrino com sua viola e um “Coração tão Sertanejo”, sempre levando seus cantos e versos, “desfilando nas avenidas” do mundo, “num Forrofiado tão da bexiga de bom”.
Gilmar Leite
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Caboclo Sonhador
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Música e letra de Maciel Melo
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Sou um caboclo sonhador
Meu senhor, viu
Não queira mudar meu verso
Se é assim não tem conversa
Meu regresso para o brejo
Diminui a minha reza
Coração tão sertanejo
Vejam como anda plangente o meu olhar
Mergulhado nos becos do meu passado
Perdido no imensidão desse lugar
Ao lembrar-me das bravuras de neném
Perguntar-me a todo instante por Bahia
Mega e Quinha, como vão, tá tudo bem ?
Meu canto é tanto, quanta canta o sabiá
Sou devoto de padim Ciço Romão
Sou tiete do nosso rei do cangaço
Em meu regaço, fulminado em pensamentos
Em meu rebento, sedento eu quero chegar
Deixem que eu cante cantigo de ninar
Abram alas para um novo cantador
Deixem meu verso passar no avenida
Num forrofiado tão da bexiga de bom.

sábado, 7 de novembro de 2009



SER TÃO SERTÃO

No meu peito, palpita um ser sertão,
De invernadas ou secas causticantes,
Mostra os campos sutis e fulgurantes
E desertos que causam assombração.
Nele pulsa o crepúsculo dum verão,
Ou os fulgores das horas matinais;
Mostra os vales nos tempos invernais,
E revela os cenários de dois mundos,
Onde vivem os dois seres profundos,
Que têm secas ou grandes temporais.

No meu ser, o sertão vive presente,
Através dos costumes do seu povo,
Que resiste ao banal chamado novo
Parecendo um umbuzeiro imponente.
Nele pulsa as violas do repente
Através do improviso num arpejo;
Igualmente um relâmpago em lampejo
Numa chuva de versos que me acalma,
No profundo oculto da minha alma
Onde vive um campônio sertanejo.

No sertão da minha alma resplandece
A florada de um pé de umbuzeiro;
As sementes sutis do marmeleiro
Que a rolinha se alimenta como prece.
O meu ser tão sertão nunca fenece
Os jardins encantados da esperança;
Nele existe a certeza da bonança
Dum roçado com verdes pés de milho,
Onde o pai tem certeza que seu filho
Não irá mais sofrer desesperança.

Quem caminha na trilha do meu ser
Nela encontra o xaxado e o baião,
Na sanfona e na voz de Gonzagão
Onde o canto é a forma de viver.
Um vaqueiro abóia com prazer
No oculto curral da existência,
De um ser sertanejo por essência
Que carrega no peito a sua terra
Desde o vale, a caatinga e a serra,
Dando passos fieis da consciência.

No meu peito se encontra a ladainha
Das beatas rezando em procissão;
Mostra a fé do campônio do sertão
Enfrentando um viver que lhe espinha.
Canta dentro de mim uma rolinha
Num crepúsculo da tarde sertaneja;
Tem o som do caboclo na peleja
Conduzindo a boiada em passo lento,
Aboiando do peito um sentimento
Sob o sol causticante que dardeja.

Dentro de mim ecoa um dialeto
De palavras do homem camponês,
Que não fala o urbano português;
O dizer e entender pra ele é correto.
Na minh’alma carrego humilde teto
Das casinhas de taipa do sertão,
Que só tem na parede a devoção
Sobre a forma singela dum retrato,
De Jesus padecendo no maltrato
Como a forma cristã da redenção.

O meu sangue possui o puro cheiro
Das essências da flor duma jurema
O cantar da afinada seriema
Sob a sombra dum verde juazeiro.
Eu carrego na minha’alma um vaqueiro
Nas juremas fazendo vaquejadas,
Argolinhas, São João e cavalhadas,
Cantorias, folguedo, apartação,
A novena, promessa e procissão,
Tradições, que estão enraizadas.

O sertão não é só parte da terra
Ele está no profundo do meu ser
Pra senti-lo é preciso compreender
Desde o vale, a caatinga e a serra.
A grandeza de sê-lo nunca encerra;
Eu carrego com risos ou com prantos,
Através dos poemas ou dos cantos
Como símbolo da minha identidade,
Onde a flor da cultura é a verdade
Exalando os costumes com encantos.