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sábado, 5 de dezembro de 2009


Comentário Sobre o Poeta Job Patriota de Lima
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Tive a felicidade e honra de ter convivido com alguns grandes poetas repentistas que imortalizaram o Velho Rio Pajeú. Nasci no século em que nasceram Cancão, Pinto do Monteiro, Lourival Batista, Rogaciano Leite, Zé Dantas, Luiz Gonzaga, Job Patriota e tantos e tantos mestres da música e da poesia do Brasil de dentro, tão pouco conhecido pelo mundo dos urbanóides, como diz o mestre Elomar Figueira de Melo. Com alguns poetas e compositores, tive a felicidade de conhecer e conviver com eles, como é o caso de Zé Marcolino, Lourival Batista e Job Patriota, Cancão, e outros tantos. Entre todos eles, foi Job Patriota o que mais deixou luz de poesia e rastros de apoio e carinho para os poetas, como eu, surgiram após a geração dos poetas e compositores citados. Job Patriota, para os poucos que não conviveram com ele, e o "Rei do Lirismo" e da inocência, para quem como eu, teve a felicidade de passar noites e mais noites ouvindo-o a luz do luar, envolvido pelos devaneios boêmios, em que o mestre Job declamava ou glosando a luz da lua sertaneja. O poeta menino, foi para minha geração o grande vate que respirou poesia até na hora crespuscular da sua existência.
Fazer poesia, é uma coisa; viver a poesia é outra coisa totalmente diferente. Job Patriota dormia e acordava a luz da poesia. Não sabia e não vivia outra coisa, se não fosse o mundo da poesia. Emotivo, notívago, sentimental, lírico, inquieto, bucólico, nostálgico, fervilhante de poesia, estesiado pela estética do verso, contaminado pela sinergia do viver poético, Job Patriota, respirava poesia todas as horas do dia. Foram várias vezes que ao me encontrar com ele, o poeta já ia logo dizendo: "Poeta, vamos para algum canto, para eu dizer ou declamar alguma poesia. Ela está borbolhando dentro de mim, querendo explodir, e se eu não a libertá-la, enlouqueço". Ouvi Job dizer muitas vezes isso, e quando iamos para um lugar reservado, ele começava declamar, todo excitado, a pele vermelha e os olhos lacrimejando. Foi onde eu vi a poesia viva, muito além da escrita. Aqui deixo alguns versos do seu classissimo.
Saindo do hospital, onde foi internado por causa do álcool etílico Job Patriota disse:
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A dor de mim se aproxima
Eu pra não perder a calma
Passo uma esponja de rima
Nos ferimentos da alma.
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O Poeta Bucólico do Pajeú Cancão certa vez pediu a Job Patriota para falar dos desenganos da velhice, veja que soneto clássico Job fez.
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DESILUSÃO
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Sonhos, quimeras, ilusões, amores;
Tudo tive a minha mocidade,
Mas o tempo na sua tempestade,
Faz dos dias como faz comas flores.
II
Fiz das horas os meus elevadores
Pra subir a montanha da idade,
De cujo cimo fitando a mocidade
Eu pensava viver como os condores.
III
Nessa triste ascensão de amargas horas,
Vi somente crepúsculos ao invéis de auroras
E à velhice cheguei aos solavancos.
IV
Nem mais vestigios das primeiras cenas,
Por herança de tudo herdei, apenas
Brancas coroas de cabelos brancos.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009


PRESENÇA DO PERFUME

Quando a mão com sutil delicadeza
Solta pingos de água num jardim
Cada pétala se abre dum jasmim
Num sorriso com dúlcida pureza.
Uma essência se exala com leveza
Dando beijos na mão com seu olor
Perfumando com plácido fulgor
Numa oferta divina do seu lume
"Sempre fica a presença do perfume
Entre os dedos da mão que rega a flor".

Cada dedo oferece os orvalhos
Derramados do céu da sua mão
E a flor faz surgir do coração
O presente divino dos seus galhos.
Colibris fazem vôos com atalhos
Numa pressa coberta de temor
Como lindos parceiros do amor
Beijam flores morrendo de ciúme
"Sempre fica a presença do perfume
Entre os dedos da mão que rega a flor".

A presença dos pingos cristalinos
Derramados da mão como presente
Faz a flor se abrir toda contente
Igualmente o sorriso dos meninos.
Do seu corpo surgem olores finos
Com mil beijos dum grande sedutor
Infiltrando-se nos dedos com ardor
Sem ouvir beija-flores com queixume
"Sempre fica a presença do perfume
Entre os dedos da mão que rega a flor".

Eu comparo a grandeza da verdade
Praticada através da ação humana
Quando a mão da virtude soberana
Joga os pingos divinos da bondade.
Sobre o campo da vida o amor invade
Com essências tocando o regador
Perfumando o seu gesto doador,
Onde Deus no seu peito logo assume
"Sempre fica a presença do perfume
Entre os dedos da mão que rega a flor".

Ps: Mote do poeta Xico Borges


quinta-feira, 26 de novembro de 2009


O poema abaixo foi publicado na antologia poética "Retratos do Sertão", organizada pelo Poeta Marcos Passos
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DOIS SERTÕES
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O Sertão é cruel e violento,
Mas também, é profundamente humano,
Quando seco, é macabro e desumano,
Quando verde, produz contentamento.
Tem miséria e também tem alimento,
Paradoxo de risos e de prantos;
Desencanta e demonstra mil encantos,
Revelando cenários de dois mundos
Um lugar de mistérios bem profundos,
Cada qual envolvido nos seus mantos.

Quando seco, os troncos contorcidos,
Das juremas com galhos ressecados,
Se parecem com corpos condenados
De famintos soltando mil gemidos.
Secos ramos são braços estendidos,
De fantasmas pedindo um alimento;
Num deserto de fome e de tormento,
Assustando quem passa no recinto,
Onde a vida é um fel feito absinto,
Amargando num triste sofrimento.

Se chover, tudo muda, velozmente:
Os fantasmas das árvores peladas
Vestem roupas de cores variadas,
Acabando o macabro ambiente.
O campônio vai pra roça contente,
Carregando no peito a esperança;
A mulher toma conta da criança
Tocaiando as panelas no fogão,
Na certeza de ter milho e feijão
Pra acabar sua fome, com bonança.

O deserto que, antes existia,
Com espinhos e serpes venenosas,
Dá lugar a paisagens primorosas,
Parecendo uma outra moradia.
Na campina aparece a sinfonia,
Duma orquestra de pássaros cantantes;
Borboletas, em ritmos dançantes,
Num balé, fazem mil vôos delicados;
Os sutis colibris, bem refinados,
Beijam flores, iguais a dois amantes.

Na vazante que estava ressecada,
A lagoa transborda na enchente;
Um tetéu solta seu canto contente
Num cantar que anima a passarada.
Sobre a terra que estava calcinada
Surge um córrego, puro e cristalino,
Dando beijo num grão bem pequenino,
Para em breve virar uma planta em flor,
Colorida e exalando um doce olor
Através de um perfume tão divino.

Sobre os galhos frondosos da aroeira,
Que na seca a visita era o sol quente
Quando chove, recebe alegremente,
Cada espécie de ave trepadeira.
Um tenor sabiá de voz brejeira
Solta um canto, coberto de esperança,
O qual mostra uma era de bonança
Diferente da época passada,
Quando quase morreu a passarada
Nos espinhos da vil desesperança.

O esquálido rio que estava morto
Ressuscita seu leito quando chove
O campônio no peito se comove
Que desperta a alma num conforto.
Fica olhando às águas, absorto,
Contemplando a mudança da paisagem
Onde antes só tinha a seca imagem
Vê o rio caudaloso com primores
Desenhando na tela mil fulgores
Onde o verde demonstra a mensagem.

O complexo sertão mostra dois mundos
Os quais são totalmente diferentes,
Com imagens e vidas oponentes
De heróis, que também são moribundos.
Os seus vales são ricos e fecundos;
Basta à chuva cair freqüentemente,
Que do chão brotará uma semente
Demonstrando um sinal de esperança,
Igualmente o sorriso da criança
Que verdeja o sertão que há na gente.

terça-feira, 17 de novembro de 2009


Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece


De manhã caminhando na campina
Entre as flores silvestres do sertão,
Despertou no meu ser uma visão
Vendo o pranto caindo em ondina.
A tristeza da flor bem pequenina
Era a cena da vida que padece;
Parecia um alguém fazendo prece
Com temor dos castigos mais ferinos,
Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece.

Suas pétalas tristonhas, sem ter água,
Se desfez dos belíssimos fulgores,
Cada pingo dos olhos eram as cores,
Se apagando no pé da triste mágoa.
A tristeza voraz causava frágua
Como alguém que, maldoso, lhe dissesse:
Hoje a vida pra você arrefece,
Só lhe resta o mais triste dos destinos,
Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece.

Borboletas voavam pelos campos
Assustadas faziam vira-volta;
A tristeza da flor dava revolta
Até mesmo aos calmos pirilampos.
Ela só tinha a frente os escampos
Onde a vida perdura e esmorece,
No deserto da angústia que entristece
A beleza que tem seus toques finos;
Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece

Até mesmo um pequeno beija-flor
Que voava em busca de uma essência,
Fez um pouso com lírica cadência
Vendo a flor com tristeza, sentiu dor.
Procurou com seu bico dar amor
Lhe beijando e dizendo a vida cresce;
Não se curve, que a dor desaparece,
Tenha fé nos poderes mais divinos,
Vi nas gotas de orvalhos cristalinos
Alguns prantos da flor que emurchece.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Maciel Melo: Eterno "Caboclo Sonhador"
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Breve Comentário Sobre O Caboclo Sonhador Maciel Melo
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Desde o distante trilhar, no “Desafio das Léguas”, que o “Caboclo Sonhador” Maciel Melo vem montado no seu cavalo de versos e canções, rompendo a caatinga da anti-cultura, em busca de mostrar seus cantos e cantigas, dizendo “Sim e não a Reis e Rainhas”, e entoando a voz “Que Nem Vem-Vem” para os quatros cantos do Brasil.
Violeiro de primeira linha e portador de uma voz belíssima, o cantador pajeusense da poética princesa Iguaraci, louva “O veio d’água do Rio Pajeú”, o lendário feiticeiro da poesia e dos cantos, quando junto com seu violão universaliza a sua aldeia através de uma poética telúrica e comprometida com as raízes profundas da identidade sertaneja. Com o “Coração tão Sertanejo”, Maciel Melo vem abrindo “Alas para um novo Cantador” e nos mostrando através do seu canto universal a grandeza de um povo que não ficou tão órfão com a partida do “Rei do Baião”. O “Caboclo Sonhador” Maciel Melo trilha muito bem sobre as diversas formas de compor e cantar o Sertão nordestino. No seu trabalho encontramos o que se chama de erudito, de toada, de cantiga ou de herança trovadoresca, onde sua voz e seu violão de forma plangente ou não, nos mostra o Sertão com profundidade melódica e poética, onde “A barra-do-dia-a-dia” mostra a aurora de um cantador que tanto canta a dor crepuscular da vida sertaneja, como canta as auroras do Sertão na sua forma mais bela e encantadora. O cantador/menino que tem veios d’água do rio Pajeú nos seus dedos e coração sertanejo criou de forma muito peculiar o jeito de tocar o baião no violão, inventando uma batida inovadora, como fez João Gilberto através da Bossa Nova. Além de ser um trovador/erudito, o cantador do Pajeú é um dos maiores cantores e compositores no universo do Baião, Xote e demais ritmos da música que imortalizou o saudoso Luiz Gonzaga.
Ouvir as melodias telúricas do “Caboclo Sonhador” Maciel Melo nos remete as noites de São João, quando as “Damas de Ouro”, com seus vestidos de chita, multicores, enfeitavam as festas juninas, repletas de candura e inocência sertaneja. Caminhar “Na poeira e na estrada” dos xotes do cantador de Iguaraci é possível encontrar o amigo/cantador jogando luzes na escuridão das almas aflitas pelo mundo do desamor. Ao penetrar no profundo “Coração tão Sertanejo” da tropeiro/cantador percebe-se as “Marias da Labuta” do imenso mosaico/humano sertanejo, que como o "umbuzeiro elomariano", resiste às enchentes das dificuldades da vida, para cuidar da prole e do árduo trabalho camponês. A música de Maciel Melo é um trato puro e fino para falar do povo da sua aldeia sertaneja, que como os povos do mundo inteiro, sofrem as mesmas vicissitudes e alegrias dos que habitam o planeta terra. O Vate do Pajeú não inventa música, ele se faz cronista e cantador peregrino com sua viola e um “Coração tão Sertanejo”, sempre levando seus cantos e versos, “desfilando nas avenidas” do mundo, “num Forrofiado tão da bexiga de bom”.
Gilmar Leite
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Caboclo Sonhador
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Música e letra de Maciel Melo
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Sou um caboclo sonhador
Meu senhor, viu
Não queira mudar meu verso
Se é assim não tem conversa
Meu regresso para o brejo
Diminui a minha reza
Coração tão sertanejo
Vejam como anda plangente o meu olhar
Mergulhado nos becos do meu passado
Perdido no imensidão desse lugar
Ao lembrar-me das bravuras de neném
Perguntar-me a todo instante por Bahia
Mega e Quinha, como vão, tá tudo bem ?
Meu canto é tanto, quanta canta o sabiá
Sou devoto de padim Ciço Romão
Sou tiete do nosso rei do cangaço
Em meu regaço, fulminado em pensamentos
Em meu rebento, sedento eu quero chegar
Deixem que eu cante cantigo de ninar
Abram alas para um novo cantador
Deixem meu verso passar no avenida
Num forrofiado tão da bexiga de bom.

sábado, 7 de novembro de 2009



SER TÃO SERTÃO

No meu peito, palpita um ser sertão,
De invernadas ou secas causticantes,
Mostra os campos sutis e fulgurantes
E desertos que causam assombração.
Nele pulsa o crepúsculo dum verão,
Ou os fulgores das horas matinais;
Mostra os vales nos tempos invernais,
E revela os cenários de dois mundos,
Onde vivem os dois seres profundos,
Que têm secas ou grandes temporais.

No meu ser, o sertão vive presente,
Através dos costumes do seu povo,
Que resiste ao banal chamado novo
Parecendo um umbuzeiro imponente.
Nele pulsa as violas do repente
Através do improviso num arpejo;
Igualmente um relâmpago em lampejo
Numa chuva de versos que me acalma,
No profundo oculto da minha alma
Onde vive um campônio sertanejo.

No sertão da minha alma resplandece
A florada de um pé de umbuzeiro;
As sementes sutis do marmeleiro
Que a rolinha se alimenta como prece.
O meu ser tão sertão nunca fenece
Os jardins encantados da esperança;
Nele existe a certeza da bonança
Dum roçado com verdes pés de milho,
Onde o pai tem certeza que seu filho
Não irá mais sofrer desesperança.

Quem caminha na trilha do meu ser
Nela encontra o xaxado e o baião,
Na sanfona e na voz de Gonzagão
Onde o canto é a forma de viver.
Um vaqueiro abóia com prazer
No oculto curral da existência,
De um ser sertanejo por essência
Que carrega no peito a sua terra
Desde o vale, a caatinga e a serra,
Dando passos fieis da consciência.

No meu peito se encontra a ladainha
Das beatas rezando em procissão;
Mostra a fé do campônio do sertão
Enfrentando um viver que lhe espinha.
Canta dentro de mim uma rolinha
Num crepúsculo da tarde sertaneja;
Tem o som do caboclo na peleja
Conduzindo a boiada em passo lento,
Aboiando do peito um sentimento
Sob o sol causticante que dardeja.

Dentro de mim ecoa um dialeto
De palavras do homem camponês,
Que não fala o urbano português;
O dizer e entender pra ele é correto.
Na minh’alma carrego humilde teto
Das casinhas de taipa do sertão,
Que só tem na parede a devoção
Sobre a forma singela dum retrato,
De Jesus padecendo no maltrato
Como a forma cristã da redenção.

O meu sangue possui o puro cheiro
Das essências da flor duma jurema
O cantar da afinada seriema
Sob a sombra dum verde juazeiro.
Eu carrego na minha’alma um vaqueiro
Nas juremas fazendo vaquejadas,
Argolinhas, São João e cavalhadas,
Cantorias, folguedo, apartação,
A novena, promessa e procissão,
Tradições, que estão enraizadas.

O sertão não é só parte da terra
Ele está no profundo do meu ser
Pra senti-lo é preciso compreender
Desde o vale, a caatinga e a serra.
A grandeza de sê-lo nunca encerra;
Eu carrego com risos ou com prantos,
Através dos poemas ou dos cantos
Como símbolo da minha identidade,
Onde a flor da cultura é a verdade
Exalando os costumes com encantos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009


Eu tive a feliz oportunidade de conviver com o saudoso poeta Zé Marcolino. O cantador caririense teve seu mundo de maior existência entre o Pajeú pernambucano e o Cariri paraibano, sempre levando o canto e a poesia ao povo de ambas as regiões. Fidalgo, Educado, Amigo, Atencioso e comprometido com o Sertão Nordestino, Marcolino foi o estandarte da música de duas regiões onde verteram os mais famosos cantodores de viola do Nordeste. De voz grave e feições de caboclo sério, Marcolino era a suavidade de um alma bondosa e de uma alegria de menino, sempre presente na sua forma de poeta da terra. Não fez uso "profissional" como cantor, tendo apenas gravado um cd (capa acima) produzido e arranjado pelo "Quinteto Violado". O vate/cantador paraibano alimentou a carreira musical de Luiz Gonzaga com grande clássicos que hoje estão imortalizados no cancioneiro popular, como: Sala de Rebôco, Cacimba Nova, Serrote Agudo, A dança de Nicodemos, Coboclo Nordestino e tantos e tantos outros clássicos identificados na voz do "Rei do Baião" e de demais cantores, cantoras, intérpretes e cantadores do Nordeste e outras regiões do Brasil. Seu instrumento musical era uma caixa de fósforo, tanto para se acompanhar como para compor. O que mais impressionava era o autoditata Marcolino, componto baiões, xotes, rasta-pés, samba de latada, forrós e lindas canções, as quais louvavam desde uma "Pedra de Amolar" até uma professora através da linda metáfora "Rolinha Branca". Escutar Marcolino na sua voz grave, de barítono, ou na grande voz do velho Lula Gonzaga e demais cantores e cantoras nordestinas, nos remete ao Sertão na sua mais pura forma de ser. Nas melodias de Marcolino encontra-se o Sertão alegre nas chuvadas invernosas; na poesia do mestre caririense vê-se uma grande fazenda que outrora foi palco e reino de grandes festas de vaqueijadas; no lirismo de Marcolino percebe-se a figura humana na delicadeza de uma "Rolinha Branca", andando e catando pedrinhas pelo chão; no canto lunar do poeta paraibano, vê-se o "Ciúme da Lua" que o poeta sentiu quando os astronautas pisaram no corpo de bela senhora lunar, senhora esta, inspiração e musa de todos os poetas do mundo; enfim, Marcolino nos deixou um legado de canto e poesia que ecoa pelos quatros cantos do Brasil. Hoje, encontra-se no solo paraibano e pernambucano a comunicação de vários sertanejos que tratam uns aos outros de Poeta. Isso, foi criado pelo nosso saudoso Zé Marcolino. O poema abaixo, de minha autoria, foi adaptado e musicado pelo compositor potiguar Galvão Filho, sobre a forma de uma belo Xote. No ano de 2008 o cantador Santana o gravou no seu cd "Forró - a arte do abraço".
Gilmar Leite



SAUDADE DE MARCOLINO



Marcolino, poeta cantador,
A “Cacimba” secou de tanto pranto
O “Carão” não escuta o teu canto
“Sabiá” padeceu de tanta dor.
O “Ciúme da Lua” se acabou
Hoje vives morando perto dela
Desenhando teu canto numa tela
Seduzindo-a com tua serenata
Despertando seu riso cor de prata
Num desenho de linda aquarela.

O “Serrote Agudo” está tristonho
O “Fura-Barreira já não tem mais casa
“Maribondo” já bateu a sua asa
O “Sertão de Aço” perdeu seu sonho.
Só os vates de cima estão risonhos
O teu canto é a “Saudade Imprudente”
Que machuca o sertão que há na gente
Como o pranto na “Mágoa de um Vaqueiro”
Que tristonho, num banco do terreiro,
Faz aboios saudosos e dolente.

Oh! Poeta “Caboclo Nordestino”
As caboclas “cintura de abelha”
Soltam prantos em forma de centelha
Com saudades do canto campesino.
A “cantiga do vem-vem” pequenino
Sobre os galhos da “Flor do Cumaru”
Faz sentir Cariri e o Pajeú
A saudade das noites de São João
Ou as tardes tristonhas do sertão
Entre os cantos dolentes do nambu.

Hoje já não se faz a mesma dança
“Nicodemos” partiu pra outros cantos
Não se encontram mais os mesmos recantos
Duma “Sala de Reboco” com pujança.
A saudade dos “Tempos de Criança”
A “Rolinha” com passos delicados
Um poeta com sonhos encantados
Numa “Estrada” pisando no destino
Pra partir nos deixando um lindo hino
Através dos seus cantos coroados.

terça-feira, 20 de outubro de 2009


Rogaciano Leite
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Breve comentário sobre o poeta Rogaciano Leite
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O menestrel cantador do Pajeú Pernambucano foi um aedo que levou através da sua magistral poesia os cantos e encantos da sua aldeia nordestina para vários lugares do Brasil. Poeta de uma inspiração genial e de um conhecimento universal, Rogaciano deu um tratamento nobre a poesia dos cantadores de feiras, das pequenas vilas, povoados e cidades interioranas, lapidando o diamante poético dos homens rústicos do imenso mosaico humano, chamado nordeste brasileiro. Raogaciano foi um poeta repentista de uma capacidade de improviso sobre-humano; arquiteto das palavras e construções poéticas de forma perfeita; poeta de uma visão de mundo ampla; intelectual do mundo do repente e orador que encantava multidões por onde passava; o vate transcendeu em todos os aspectos a poesia em todas as dimensões de existência. Sua poesia lírica nos convida a trilhar nos abismos do amor romântico, lugar repleto de realizações amorosas, de solidões infernais, de angústias pelo abandono e do perdão pelos “que voltam pelo amor vencidos”. Sua poesia bucólica nos traz as mais lindas paisagens do Sertão nordestino, derramando belas imagens “onde o sol desdobra o manto feito de rendas de anil”. Seus versos passeiam pelo Brasil, desde o majestoso Amazonas, com suas florestas e lendas, até as belas praias do “Ceará Selvagem” e do sonho encantado da “Ilha Porchart,” no litoral paulista. Nos seus poemas praieiros e campesinos se encontra um poeta que sentiu a natureza viva nas entranhas do seu corpo sensível e aberto as encantos e desencantos do mundo vivido. O Rio Pajeú esbraveja nos desfiladeiros dos seus versos magistrais e se acalma na lagoa da sua simplicidade de homem sertanejo, que universalizou o “Pajeú das Flores” com beleza e sabedoria. Que o conheceu a luz da poesia diz que Rogaciano parecia um Deus em forma de gente falando através dos versos e fazendo as multidões entrarem em delírio poético. A sua força poética maior, foi em defesa dos oprimidos pelo capitalismo de um regime opressor. Se o bardo baiano Castro Alves foi a voz dos negros escravizados pela estupidez da chamada raça branca, Rogaciano foi a voz, não de uma raça, mas sim, de um povo injustiçado pela falta de assistência dos governos descomprometidos com as causas populares. Seu poema “Acorda Castro Alves” é um gripo profundo e alto, suplicando a vinda do poeta condoreiro para livrar os pobres dos grilhões da miséria social, que ainda reina no Brasil de forma contundente. No poema “Os Flagelados”, parece que Rogaciano estava na retirada degradante dos famintos homens do Sertão, vitimados pelas longas estiagens e pela falta de assistência governamental. Vamos encontrar no poema “Os Trabalhadores” as dores, a fome e o abandono dos homens urbanos, jogados nas sarjetas da miséria o do descaso social. Ao andar com Rogaciano, por entre as choupanas e palafitas das grandes favelas, como “Pirambú, em Fortaleza, nos seus versos, iremos encontrar uma população trespassada de fome e de sofrimento, que nem os malditos do inferno da Dante sofreram tanto. Em cada barraco, iremos encontrar por intermédio de Rogaciano crianças famintas e doentes, jovens jogadas no escuro do descaso social e pais e mães sem esperança para a chegada de novos dias. Vamos trilhar no poema “Os trabalhadores” para que possamos vê pelos olhos do poeta do Pajeú das Flores, os homens sem a luz da esperança, nesse imenso país que fulgura riqueza para tão poucos.
Gilmar Leite
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OS TRABALHADORES
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01
Uma língua de fumo, enorme, bandoleante,
Vai lambendo o infinito – espessa e fatigada…
É a fumaça que sai da chaminé bronzeada
E se condensa em nuvens pelo espaço adiante!
02
Dir-se-ia uma serpente de inflamada fronte
Que assomando ao covil, ameaçadora e turva,
E subindo… e subindo…assim, de curva em curva,
Fosse enrolar a cauda ao dorso do horizonte!
03
Mas, não! É a chaminé da fábrica do outeiro
- Esse enorme charuto que a amplidão bafora
-Que vai gerando monstros pelo céu afora,
Cobrindo de fumaça aquele bairro inteiro.
04
Ouve-se da bigorna o eco na oficina,
O soluço da safra e o grito do martelo…
Como tigres travando ameaçador duelo
As máquinas estrugem no porão da usina!
05
É o antro onde do ferro o rebotalho impuro
Faz-se estrela brilhante à luz de áureo polvilho!
É o ventre do Trabalho onde gera o filho
Que estende a fronte loura aos braços do Futuro!
06
Um dia, de uma idéia uma semente verte,
Resvala fecundante e, se agregando ao solo,
Levanta-se… floresce… e ei-la a suster no colo
Os frutos que não tinha – enquanto estava inerte!
07
Foi o germe da Luz, a flor do Pensamento
Multiplicando a ação da força pequenina:
- De um retalho de bronze ergueu uma oficina!
-De uma esteira de cal gerou um monumento!
08
Trabalhar! Que o trabalho é o sacrifício santo,
Estaleiro de amor que as almas purifica!
Onde o pólen fecunda, o pão se multiplica
E em flores se transforma a lágrima do pranto!
09
Mas não vale o Trabalho andar a passo largo
Quando a estrada é forrada de injustiça e crimes…
Porque em vez de frutos dúlcidos, sublimes,
Gera bagos mortais e de sabor amargo!
10
Ide ver quanto herói, quanto guindaste humano
Sob a poeira exaustiva e o calor fatigante,
Os músculos de ferro, o porte gigante,
Misturando o suor o seu pão quotidiano.
11
Sua força é milagre! A redenção bendita!
O seu rígido braço é a enérgica alavanca
O escopro milagroso, a chave que destranca
O Reino do Progresso onde a Grandeza habita!
12
Sem os pés desse herói a Evolução não anda!
Sem as mães desse bravo uma nação nas cresce!
A indústria não produz! A campo não floresce!
O comércio definha! A exportação debanda!
13
No entanto,vêde bem! Esses heróis sem nome,
Malditos animais que ainda escraviza o ouro,
Arrastam – que injustiça! – o carro do tesouro,
Atrelados à dor, à enfermidade, e à fome!
14
Quanto prédio imponente e de valor suntuário
Erguido para o céu, firmado no infinito,
Indiferente à dor, indifrente ao grito
De desgraça que invade a choça do operário!
15
De dia é no labor! Exposto ao sol e à chuva!
De noite, na infecção de uma choupana escura,
Onde breve uma filha há de tornar-se impura
E u’a mulher faminta há de ficar viúva!
16
Nem mesmo o sono acolhe as pálpebras cansadas!
O leito é a umidez dos fétidos mocambos!
O pão é escasso e duro! As vestes são molambos
E o calçado é paiol das ruas descalçadas!
17
Ali, a Medicina é estranho um só prodígio!…
Nunca um livro se abrirá em risos de esperança
Para encher de fulgor os olhos da criança,
Apontando-lhe o céu… mostrando-lhe um vestígio!…
18
Tudo é treva e descrença! O próprio Deus é triste
Ouvindo esse ofegar de corações humanos…
E a Lei – mulher feliz que dorme há tantos anos
-Não acorda pra ver quanta injustiça existe!
19
Onde está esse amor que os sacerdotes pregam?
Os estão essas leis que o Parlamento imprime?
O Código não pode abrir o seio ao Crime,
Infamando o pudor que os Tribunais segregam!
20
Vêde bem da fornalha a rubra labareda!…
Olhai das chaminés o fumo que desliza!…
Pois é o sangue… É o suor do pobre que agoniza
Enquanto a lei cochila entre os divãs de seda!
21
Que é feito desse herói? Ninguém lhe sabe a origem!
O Poder nunca entrou nas palhas do seu teto…
Somente a esposa enferma,o filho analfabeto,
E lá nos cabarés, – a filha… que era virgem!
22
Existe essa legião de mártires descrentes
Em cada fim de rua,em cada bairro pobre!
É desgraça demais que num país tão nobre
Que teve um Bonifácio e deu um Tiradentes.
23
Será preciso o sangue borbotar na lança?
E o cadáver do povo apodrecer nas ruas?
Tu não vestes, ó Lei, as próprias filhas tuas?
Morre, pois, mãe cruel, debaixo da vingança!
24
Mas eu vejo que breve há de chegar a hora
Em que a voz do infeliz é livre – na garganta!
Porque sei que esse Deus que nos palácios canta
É o mesmo Deus que pelos bairros chora!
25
Quanto riso aqui dentro! E lá fora, os brados!
Quantos leitos de seda! E quantos pés descalços!
Já que os homens não vêem esses decretos falsos,
Rasga, cristo, o teu manto! Abriga os desgraçados.
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Ps: Logo abaixo tem uma foto de Rogaciano Leite entre os humildes sertanejos

terça-feira, 13 de outubro de 2009

ODISSÉIA SERTANEJA


Naveguei sobre os mares do sertão
Enfrentando as procelas do viver,
Subi ondas difíceis de vencer
Fui envolto na fúria de um tufão.
Conduzi minha forte embarcação
Em gargantas de rochas perigosas,
E passei por cavernas tenebrosas
Ocultadas nas brechas dum lajedo
Escondendo do mundo seu segredo,
Entre nuvens de formas vaporosas.

Abordei sobre as ilhas sertanejas
Pra um descanso da longa odisséia,
E escutei os sutis sons da idéia
Num confronto de vates na peleja.
Eram deuses em frente da bandeja
Com violas fazendo cantoria,
Num oráculo coberto de poesia,
Que guiava com sábio mandamento
O meu barco no mar do sentimento,
Sobre as águas da longa travessia.

Encontrei sobre os mares sertanejos
A coragem dos bravos cavaleiros,
Penetrando em fechados marmeleiros
Pra jogar os seus laços com ensejos.
Eram homens-heróis fazendo arpejos,
Semideuses com seu gibão de couro,
Que enfrentavam a fúria de um touro
Sem temer grandes chifres amolados,
Dando saltos nas cercas dos roçados
Que seus cascos brilhavam como ouro.

Enfrentei nas cavernas montanhosas
As ferozes panteras, de uma vez,
Com espada, coragem e altivez,
Minhas lutas foram vitoriosas.
Eu olhei das escarpas pedregosas
O sertão com seus grandes oceanos;
Levantei minha âncora e fiz planos
Pra levar as sementes da poesia
E plantá-las nas margens da alegria,
Derrotando os terríveis desenganos

Na jornada enfrentei grandes serpentes
Com a força e coragem de um Sansão,
Dando saltos, de espada sobre a mão,
Enfiando-a nas brechas dos seus dentes.
Eu lutei contras as feras mais valentes
Sem jamais recuar frente aos perigos;
Nem temer dos tiranos os castigos,
Que com fúria fechavam os caminhos
Me jogando em confusos remoinhos
Tendo ventos somente como abrigos.

Cavalguei sobre um lépido corcel
Nas caatingas fechadas do sertão
Com perneira, espora e um gibão,
E brilhantes estrelas no chapéu.
Vi as nuvens correndo sob o céu
Num crepúsculo de cor avermelhada,
Parecendo uma rápida boiada
Procurando um curral na imensidão,
Pra deitar-se na cama da amplidão
E acordar com o vaqueiro da alvorada.

Mergulhei num inferno tenebroso
Que nem Dante deu passos com Virgilio,
Vi pedintes suplicando um auxílio
Num lamento cruel e lastimoso.
Percebi que não tinha criminoso;
Eram vitimas no mar do abandono,
De governo que tem homens no trono,
Aumentando a miséria dos famintos
Transformando o viver em absintos,
Onde a vida é um fel de desengano

Fui visita dos reis e das rainhas
No império do mundo sertanejo,
Que divide a comida sem ter pejo
Sob o teto das lânguidas casinhas.
Vi meninas cobertas de florinhas
Parecendo belíssimas princesas,
Exalando as mais puras gentilezas
Num reinado com flores de bondade,
Me mostrando a sutil fraternidade
Praticada com mil delicadezas.

Eu vi ninfas caboclas do sertão
Num roçado plantando lindos sonhos,
Entoando os sutis cantos risonhos
Numa lírica e plácida canção.
Tinha um lírio enfeitando cada mão,
E nos lábios o brilho dum sorriso;
Era o mundo mostrando o paraíso
Na figura mais pura da inocência
Onde a flor que habitava a consciência,
Exalava o seu néctar preciso.

Encontrei sobre as margens dos barreiros
Sertanejas com ares sedutores,
Com olhares cobertos de fulgores
Dando passos suaves e maneiros.
Eu senti os seus hálitos faceiros
Envolver-me com mágica leveza,
Eram encantos da própria natureza
Seduzindo meus loucos devaneios,
De caboclas que tinham lindos seios
Com feitiços de plácida beleza.

Eu fiquei divagando sobre os mares
No sertão do nordeste brasileiro;
Foi usando o veloz barco-vaqueiro
Que eu passei por insólitos lugares.
Visitei os difíceis patamares
E os abismos que têm na imensidão;
Vi fantasmas cruéis da solidão
Como nuvens pesando sobre mim,
Que eu pensei que seria o meu fim
Na odisséia longínqua do sertão.

E depois de andar por vários recantos
Eu voltei pro meu canto pequenino,
O lugar dos meus tempos de menino
Onde a vida era plumas de acalantos.
Retornei conduzindo n’alma encantos,
E também os pavores de outros mundos;
Vi a dor castigando os moribundos,
Vi princesas, serpentes, mil panteras,
Cantadores, vaqueiros, grandes feras,
Que tocaram meus mares mais profundos.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Minha mãe Rita Leite e Eu

Materna Lembrança
À minha mãe Rita Leite

Mergulhei sobre o lírio da lembrança
De mamãe exalando a flor do riso,
Vi na pétala do rosto um paraíso
Perfumando minha alma de criança.
No seu cálice brotava a esperança
Onde a sépala da flor da inocência,
Protegia o meu grão de existência
Num jardim colorido, bem risonho,
Onde o pólen da vida mostra o sonho
Germinando o fulgor da consciência.

Tomei banhos nos pingos dos orvalhos
Que mamãe derramava do seu rosto;
Parecia o luar do mês de agosto
Com reflexos nas flores dos carvalhos.
Suas mãos para mim eram os galhos
Estendidos, fazendo mil carinhos,
E mostrando nos campos os caminhos,
Onde a vida se faz com liberdade,
Entre as plumas sedosas da verdade
Como as aves fazendo os seus ninhos.

Sobre o bosque materno dei mil passos
Vendo a flor de mamãe em cada planta,
Sua essência mostrava uma santa
Perfumando meu ser com mil abraços.
Os seus braços pra mim foram os laços
Confortando o meu corpo inocente;
Do seu peito brotava uma semente
Sobre a forma singela do amor,
Perfumando minha alma com fulgor
Me mostrando uma luz para ser gente.

Lindos sonhos trazidos da lembrança
Hoje tenho guardados sob a mente,
De mamãe que se faz sempre presente
Ofertando o seu riso numa dança.
O seu mundo, eu tenho como herança,
Que me guia nos bosques da bondade,
Sua luz de amor sempre me invade
Clareando os recantos do meu peito,
Onde a flor do seu riso é um enfeito
Que me cobre com flores da verdade.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Meninos do Pajeú

Saudade do Tempo de Menino


Na caverna profunda da memória
Lembro a vida florindo inocência
Não sabia do negror da consciência
Expressado nos dramas da história.
Minha vida só tinha a flor da glória
Era um mundo coberto de bonança,
Onde o sol da bondade numa dança
Me cobria com um brilho cristalino;
A saudade do tempo de menino
Fez morada na gruta da lembrança.

Galopava num cavalo de pau
Na campina florida do meu sonho;
Um campônio alegre bem risonho
Despertava num instante matinal.
Na floresta o cantar fenomenal
Do concriz, seresteiro que não cansa;
Esse mundo ecoa com pujança
Entre os vales do sonho tão divino;
A saudade do tempo de menino
Fez morada na gruta da lembrança.

Lembro bem das vazantes alagadas
Os tetéus numa orquestra delirante,
As marrecas voando bem rasante
Desenhando no céu linhas curvadas.
Nas campinas florinhas orvalhadas
Perfumava com lírica aliança;
Era um mundo de linda aventurança
Que hoje guardo no sonho campesino;
A saudade do tempo de menino
Fez morada na gruta da lembrança.

Eu pulava no poço mais profundo
Sobre as águas marrons do Pajeú
Com meu corpo esguio, quase nu,
Deslizava num rápido segundo.
Para mim não havia outro mundo
Diferente do mundo da criança;
Era um tempo feliz de esperança
Que hoje guardo na forma de um hino;
A saudade do tempo de menino
Fez morada na gruta da lembrança.

Logo cedo corria pro roçado
Pra cuidar do meu bando de ovelhas,
E ficava feliz vendo as abelhas
Preparando o cortiço encapado.
Para mim, era um mundo encantado,
Que me dava no peito segurança;
Hoje choro por causa da mudança
Que chegou, transformando meu destino;
A saudade do tempo de menino
Fez morada na gruta da lembrança.

Sobre a tela da mente ainda vejo
O Sertão se mostrando na invernada,
A cantiga sutil da passarada,
O semblante feliz do sertanejo.
Na memória, eu guardo o gracejo
Da rolinha mostrando sua andança;
Esse mundo que não tem semelhança,
Ele vive no meu sonho mais grã-fino;
A saudade do tempo de menino
Fez morada na gruta da lembrança.

Inda vejo mamãe na flor do riso
Preparando o café toda manhã;
O seu jeito suave feito lã
Revelava do rosto um paraíso.
A bondade foi seu mundo preciso
Que procuro vivê-la como herança;
É a luz que me dar perseverança
Pra enfrentar esse mundo tão ferino;
A saudade do tempo de menino
Fez morada na gruta da lembrança.


quinta-feira, 27 de agosto de 2009



Sempre encontrei em prefácios de livros de poesia, mais conceitos literários do que o sentido fenomenológico do mundo vivido pelos poetas. Esses conceitos cristalizados geralmente determinam a concepção de "belo" e induz os leitores a uma opinião já formada, desviando a capacidade dos leitores de mergulharem com suas próprias percepções no mundo vivido pelos poetas. O texto abaixo, de minha autoria, além de ser a afetação da experiência estética que Cancão me porporciona, é uma tentativa de mostrar que podemos caminhar com os nossos próprios pés pelo mundo bucólico do poeta Cancão. Após o texto, apresento o seu poema clássico, "Depois Da chuva". Que cada um dê seus próprios passos na poética de Cancão.


O BUCÓLICO MUNDO DO POETA CANCÃO

Mergulhar no universo da poesia de Cancão, nos leva ao mundo do sonho e da fantasia, o qual nos faz crer que a divina providência fez todos os esforços possíveis para realizar através da sua criação magistral, a mais nobre prova da beleza espiritual, expressada através da grandeza bucólica de uma alma que sentiu e externou a natureza sertaneja da forma mais bela e encantadora. Filho do Pajeú pernambucano, lírio sublime da poesia de São José do Egito, o poeta tinha uma sensibilidade e uma capacidade de pintar a natureza através das palavras, que nenhum pintor por mais capacitado que seja conseguiu. Cancão através da poesia mostrou a natureza em movimento. Ao ler seus poemas, a nossa alma assiste os pingos dos orvalhos cristalinos escorrendo no corpo nu das flores; nosso olhar contempla os córregos borbulhando no coração da mata; a audição escuta a voz tristonha de um sabiá na solidão; o sono é despertado com um pequeno rouxinol nas brechas do telhado; nossa admiração contempla as auroras e os arrebóis numa mutação de cores, o corpo sente o delicioso cheiro do mel sendo fabricado na moagem de um engenho; nosso espírito se encanta vendo os pirilampos acendendo e apagando suas luzes na escuridão noturna; nosso Ser vê os campos floridos, cheios de borboletas e colibris dançando numa festa matutina, e se assusta com as tempestades e as enchentes no rio da aldeia egipciense.
Ao debruçasse na poesia do poeta pássaro, um conforto de delicadezas atinge a nossa alma, como o bater das asas de uma borboleta sobre as flores de um plácido jasmim. Cada pingo de orvalho que escorre através dos seus poemas bucólicos, banha nosso espírito de afetos, numa cachoeira de rimas e ritmos, com palavras belas, que embevecem e transbordam a lagoa dos nossos sentimentos. A sua poesia faz as estrelas ficarem bem próximas da gente, nas quais, os dedos da nossa alma podem tocá-las e senti-las, recebendo os fulgores poéticos que clareiam a imensidão dos sentidos. Nos poemas de Cancão tudo se torna possível. O “cisne”, pássaro de outras regiões vem nadar no rio da sua aldeia; a “maresia indiana” traz seu cheiro para perfumar o corpo de uma professora amiga; a pantera solta rugidos nas grutas do seu pequeno lugarejo; algumas flores de outras regiões embelezam as campinas do Pajeú; enfim, o poeta transporta para sua aldeia animais e plantas de outras regiões, construindo um inusitado nicho ecológico.
Cancão conseguiu através de a poesia campestre mostrar a caatinga sertaneja na explosão invernal dos tempos de chuvas da forma mais encantadora possível. Seu poema “Depois da Chuva” desenha a beleza da flora e fauna do sertão nordestino de uma forma tão sublime e bela, que até parece que todos os poros do corpo tinham um olhar de sensibilidade atento para aquela “tarde de abril”, quando o rouxinol, o sabiá, os colibris, os regatos, as borboletas, as abelhas, o sol e as flores, formaram um mundo de encantos bucólicos, ocultados na alma e revelados através de um poema clássico, digno da mais fiel enciclopédia Universal da Poesia.
O poeta/verde conseguiu com profunda sensibilidade e domínio das palavras aproximar o homem da criação divina. Cada verso, que ele fez sobre a natureza, é de uma perfeição tão impressionante, que uma enxurrada de emoções inunda cada lagoa do nosso coração. Mergulhar no mundo do aedo bucólico, saborear seus poemas, sonetos e outras formas literárias nos torna o mais humano dos humanos; faz-nos crer, que o mundo visto por ele e expressado pela verve é o lugar do sonho e da fantasia. Cancão nos proporcionou a viajar nas asas dos colibris, dando beijos nas flores das campinas; nos fez sentar nas estrelas; nos fez sonhar com a liberdade através de um sabiá na solidão de uma gaiola; levou-nos aos riachos cristalinos da sua aldeia; nos fez verter prantos pela rolinha que teve o “Ninho Roubado”; causou-nos uma reflexão profunda sobre a morte, na solidão das “Seis horas no Cemitério”; mostrou-nos os detalhes da casa sertaneja, que abrigava um pobre ébrio solitário; transportou-nos para o mundo dos aborígines do Pajeú, com seus pajés, feiticeiros, caciques, arcos, flechas e tacapes; enfim, a sua poesia é uma viagem de delírios, devaneios e sensações através das belezas da natureza e da profundeza da alma humana.
Sentir os seus encantos poéticos, causa ao espírito humano uma espécie de doçura e ternura angelical. Cresce dentro da gente uma vontade inexorável de contemplar a vida e deixa a nossa existência enternecida.
Mas, como ser humano, Cancão sofreu as dores da solidão. No poema “Lamentos ao pé do tumulo”, ele externa todo o ódio a terra que tanto decantou, por ela ter levado a mulher amada.
Acredito que o poeta do “Pajeú das flores” deve está nesse instante no paraíso celestial da poesia, declamando poemas, acendendo estrelas e jogando orvalhos nas madrugadas celestiais.
Se os gregos de outrora tivessem conhecido a poesia de Cancão, com certeza o teriam posto no trono de Zeus e colocaria na sua cabeça divina a coroa de um Deus/Poeta.
Hoje, depois de vários milênios, pós era grega, e depois de algumas décadas da partida do vate da natureza para morar junto aos deuses das artes no Olimpio celestial, o poeta egipciense é extremamente necessário para esse mundo louco, de tantos sentimentos vazios e mecânicos.
Se um dia Deus resolver mandar um emissário a terra, acredito que será o poeta campestre que virá, trazendo o mesmo espírito humano, a mesma inocência e simplicidade, a grande sensibilidade poética e os ensinamentos de respeito, amizade, fraternidade e solidariedade, que ele tanto mostrou através dos seus versos.
Apesar da sua poesia não denunciar de forma constante as opressões sociais sofridas pelos afortunados e desamparados do poder governamental, Cancão seguiu o mesmo caminho na construção do homem a partir da natureza, como fez o grande filósofo e educador Jean-Jacques Rousseau, no clássico e poético livro, o “Emílio”.
Mesmo não relatando as agressões do homem à natureza, Cancão foi e é uma espécie de educador ambiental. A poesia por si própria educa o homem, e quem lê os versos campesinos do poeta pajeusense, enxerga a natureza de maneira interativa, respeitando-a com carinho e admiração.
Apesar do pouco estudo acadêmico, tendo só cursado o primário da época, Cancão foi um exímio autoditada. Ele leu os grandes poetas clássicos, como Casemiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro Alves, dentre outros, sofrendo assim, certa influência dos poetas clássicos. Mas, acima de tudo ele teve um estilo literário próprio, embora tenha escrito alguns sonetos. O mais impressionante era a grandeza da verve. Com poucos temas ele criava um mundo de poesia. Bastava uma cena fugaz de alguma manifestação da natureza, que ele a eternizava de maneira impressionante. Não foi um poeta da viola como a maioria dos poetas contemporâneos, mas glosava de improviso entre os vates amigos com a mesma capacidade dos grandes menestréis do repente.
O nome de batismo era João Batista de Siqueira, mas não poderia existir um apelido mais digno do que Cancão, que é um pássaro de cor preta e branca, que habita as altas arvores da caatinga sertaneja e encanta através de um canto agudo e melodioso.
Todos os amantes da poesia deveriam agradecer ao grande criador do universo, por ter presenteado sobre a forma humana, a prova mais fiel da sua existência enquanto arquiteto das coisas belas que compõem o mundo dos humanos. Cancão, pureza da alma, exemplo de humildade, encantador que usou a poesia para elevar nosso espírito, pincel vernáculo dos poemas campesinos, voz singela dos humildes, plantador de sonhos e fantasias, obrigado por nos proporcionar um mundo belo, cheio de auroras e esperanças, nesses tempos de tantos ocasos e incertezas.
Gilmar Leite
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Depois da Chuva


Era uma tarde de abril
A luz do sol se escoava;
Um traço da cor de anil
O céu deserto mostrava.
Num lago triste e sereno
Nadava um cisne pequeno
Eriçando as alvas plumas.
As derradeiras neblinas
Faziam lindas ondinas
Por entre as brancas espumas.
I
Um sabiá pesaroso
Nos galhos em que nasceu
Cantava triste e choroso
As mágoas do peito seu.
O sol além se deitava
A sua luz se esvasava.
Pela ramagem da horta
A brisa em leves ruídos
Levava os ternos gemidos
Da tarde já quase morta.
II
A água branda descia
Pelo pequeno gramado
A relva fresca e macia
Era um tapete rendado
Se ouvia lá na colina
No coração da campina
Soluçar uma cascata
E o sol com seus lampejos
Dava seus derradeiros beijos
No rosto verde da mata.
III
O sol, com luz amarela
Dourava os morros azuis
Tornando o céu uma bela
Pulverização de luz
A aura fresca e macia
Por entre a mata fazia
Os mais suaves rumores
As borboletas douradas
Se misturavam vexadas
Bebendo o róscio das flores
IV

As auras rumorejavam
Com lentidão e leveza
Os regatos retratavam
Um lindo céu azul de turquesa
Os orvalhos cristalinos
Se desprendiam divinos
Da copa dos arvoredos
Nas carnaúbas rendadas
Como com as mãos espalmadas
O sol brincava em seus dedos.
V
Voavam pelos verdores
Lindos colibris dourados
Sugando o néctar das flores
Dos jiquiris borrifados
No pomar um rouxinol
Contemplava o arrebol
Numa profunda tristeza
Um traço débil de luz
Rasgava os panos azuis
Do corpo da natureza.
VI
Depois os ventos mansinhos
Sopravam no campo vago
Fazendo alguns burburinhos
Na face lisa do lago
As abelhas preguiçosas
Se escondiam nas rosas
Que a natureza burila
E o cisne de brancas penas
Cortava as águas serenas
Da superfície tranqüila.

João Batista de Siqueira (Cancão )

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

RIO PAJEÚ



CONTEMPLANDO O PAJEÚ

Sobre a margem contemplo extasiado
Estender o seu leito, qual um lençol,
Recebendo os cristais beijos do sol
O sutil Pajeú, todo rendado.
O seu corpo ora reto, ora curvado,
Entre as rochas, descendo em corredeiras,
Vai beijando alguns troncos, ribanceiras,
Como alguém que sofrendo está partindo,
Suas águas são lágrimas sentindo
A saudade vertendo em cachoeiras.

Sobre a rocha a pequena “lavadeira”,
Lava as roupas do Deus onipresente;
Diz a crença que o pássaro inocente
Já nasceu pra essa tarefa altaneira.
A branquíssima garça pantaneira
Com encantos demonstra exuberância,
Dando passos com lírica elegância.
E nos cantos que ficam alagados
Os pequenos jasmins bem perfumados,
Soltam das flores, dúlcida fragrância.

Eu me lembro do meu tempo de infância
Desvendando do rio os seus segredos,
Enfrentado os remansos sem ter medos
Escutando um concriz em ressonância.
Só sentia no peito uma ganância
De buscar terra num lugar mais fundo;
Mergulhando sem medo do profundo,
Praticando as mais loucas fantasias,
Dando saltos, fazendo estripulias,
Demonstrando um menino vagabundo.

No seu solo que sempre foi fecundo
Vejo as flores de espécies delicadas,
Exalando as essências perfumadas
Atraindo os colibris num segundo.
As abelhas surgidas de outro mundo,
Com leveza buscam as belas rosas
Pra tirarem de formas carinhosas,
Todo o néctar que existe no vergel,
Pra fazer com perícia o doce mel
Escolhido das flores mais cheirosas.

Olho as águas nas tardes invernosas
Estrondando entre as rochas perfurantes,
Dando curvas com espumas flutuantes
Igualmente as serpentes venenosas.
Elas dão impressão que estão raivosas
Através do barulho da corrente,
Onde penso que cada rocha sente
A partida veloz das fortes águas;
Inundando com lágrimas as mágoas
Recebidas na fúria da enchente.

Um sutil beija-flor voa contente
Entre os galhos dum velho umbuzeiro,
O seu vôo encantado e bem maneiro
Deixa a força da gravidade ausente.
A grandeza da vida na semente
É mostrada através da flor oculta.
Quando a planta nasce, dela resulta,
Um perfume de essência delicada,
Encantando minha alma extasiada
Onde a sabedoria fica inculta.

Um veloz sabiá sem medo insulta
Um cruel carcará sanguinolento,
Sobre a margem usando o passo lento
Surge um cágado com a face estulta;
O fura-barreira de forma culta
Nas barreiras constrói a residência,
Através do local faz reverência
Aos poderes da santa natureza,
Onde a casa respeita a correnteza
Dum inverno que mostra inclemência.

Vejo as águas passarem em turbulência
Arrastando alguns galhos volumosos;
Só ficando umbuzeiros poderosos,
Pois seus troncos têm grande resistência.
Quando passa a enxurrada com fluência,
Fica o rio bem mais calmo e sonolento;
Velhas árvores servem de aposento
Para as aves fazerem lindos ninhos;
O vaqueiro nas margens faz caminhos
Conduzindo a boiada em passo lento.

Quando a tarde desmaia um sentimento
Deixa a face do rio em nostalgia,
Com saudades da luz que tem o dia
Onde a vida possui contentamento.
O crepúsculo num vermelho cinzento,
Faz mudar os fulgores da paisagem,
Dando pouca clareza para a imagem,
Com as pálidas lâmpadas do sol,
Desenhando na tela um arrebol,
Onde as nuvens são monstros da miragem.

Vejo as aves que buscam na ramagem
Um refúgio temendo os predadores,
Que são bichos ferozes caçadores
Procurando animais que tem plumagem.
Um téu-téu dá um grito sobre a margem
Percebendo a presença da serpente;
Nesse instante despertam do latente
Animais que têm hábito soturno,
Entre as folhas caminham no noturno
Procurando algum pássaro inocente.

Um sutil vaga-lume aurifulgente
Aparece de lâmpada na mão,
Clareando a sombria escuridão
Através dum fulgor sempre luzente.
Vejo a lua surgindo do nascente
Com seus raios pintando de dourado,
Desenhando um painel amarelado,
Espargindo um fulgor na correnteza,
Despertando da calma natureza
Algum bicho que vive ocultado.

Meu semblante não dorme extasiado
Contemplando as belezas do sertão;
Através dum rio que tem coração
E por isso me deixa apaixonado.
Só falei do seu córrego invernado
Não citei as correntes de seus versos,
Onde as águas fluem cantos imersos
Na enchente sutil dos sentimentos,
Transbordando de belos pensamentos
A lagoa dos meus sonhos diversos.

domingo, 12 de julho de 2009

Gosto da poesia de uma forma ampla e profunda, independente dos estilos literários. Mas tem 3 estilos que de certa maneira me encantam e me seduzem. São eles: O Soneto, o Galope à Beira Mar e o Decassílabo. A sonoridade e os rítmos dos estilos citados fazem minh alma bailar na sinfonia poética.

Galopes à Beira do Mar

Cheguei do sertão pra morar na cidade
Trazendo na mala os costumes da terra
O vale, a campina, a grandeza da serra,
Os sonhos brotados na flor da idade.
Andei pelas ruas buscando a verdade
Dos sonhos do povo que habita o lugar
Vi gente correndo sem nunca parar
Vivendo o pavor da cidade moderna
Saí correndo com horror da baderna
Fui dar os meus passos na beira do mar.

Pisando nas lindas areias branquinhas
Senti uma cócega sob os meus pés
Eram as correntes fazendo revés
Trazendo mil beijos das águas marinhas.
Fiquei encantado com as brisas mansinhas
Beijando o meu corpo num doce tocar...
Cantigas das ondas num lindo bailar
Chegavam à praia mostrando os encantos
Pensei minha mãe entoando acalantos
Cantando comigo na beira do mar.

Coqueiros gigantes, iguais a guerreiros,
Fincados no chão, balançando as palhas,
Morenos artistas fazendo mil talhas
Cruzando com traços os belos letreiros.
Fiquei encantado olhando os barqueiros
Num simples trabalho mostrar seu lugar
Olhei pras cabanas no meu contemplar
Vi lindas crianças nas formas singelas
Brincando nos barcos, mexendo nas velas
Fazendo castelos na beira do mar.

Sentado na praia, olhando o oceano,
Vi ondas velozes beijando as areias;
O corpo moreno de lindas sereias
Mostrando com graça seu riso arcano.
Nas águas eu vi um poder soberano
Com cores e luzes seu mundo pintar...
Fiquei abismado com seu governar
Ergui a cabeça, pensei do meu jeito,
Que quadro tão belo, que mundo perfeito,
Mostrando aquarelas da beira do mar.

Vi peixes pequenos pulando velozes
Nas cristas das ondas fazendo gracejos
O brilho do sol refletia lampejos
Tocando nas asas de mil albatrozes.
As águas chegavam com garras ferozes
Batendo nas rochas num forte ruflar
A praia mostrava o seu branquejar
Tapetes de espumas beijavam as areias
Deixando seu palco pra lindas sereias
Mostrarem encantos na beira do mar.

O sol se deitava no corpo da praia
Dourando as espumas de cor amarela
O vento dizia que a forte procela
Surgia feroz quando a lua desmaia.
As ondas que eram da cor de cambraia
Ficavam vermelhas com corpo a sangrar
Ergui a cabeça vi Vênus chegar
Jogando reflexos nas águas revoltas
Estrelas pequenas brincavam bem soltas
Jogando lampejos na beira do mar.

O mar revoltoso, por causa da noite,
Batia com fúria nos grandes rochedos,
Deixando minh’alma tremendo de medos
Por causa do forte e infindável açoite.
A lua surgia no céu pro pernoite
Abrindo o seu riso num doce pulsar...
Barqueiros poetas na luz do luar
Cantavam serestas pra suas donzelas
Na praia chagavam as fortes procelas
Mostrando cantigas na beira do mar.

O mar orgulhoso olhava pra mim,
Dizia que tinha imensos mistérios,
No fundo guardava diversos impérios,
Os quais nenhum homem sabia seu fim.
Contou-me que tinha no oculto um jardim
De plantas estranhas que podem matar,
Florestas imensas cobrindo o lugar,
Cavernas ocultas, lugares profundos,
Crustáceos e peixes de excêntricos mundos,
Latentes brincando no fundo do mar.

O dia surgiu, eu fiquei contemplando,
Segredos imensos que tem o oceano;
Sabemos tão pouco, perdemos o plano,
Em cada mergulho que a gente for dando.
Senti no meu peito minha alma agitando,
Eternas correntes que tem meu cantar;
Dei passos nas águas num brando tocar,
Levando nos ombros a minha sacola,
Fazendo improvisos ao som da viola
Cantando um galope na beira do mar.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

DESAFIO: POETAS GILMAR LEITE X ALUIZIO LOPES





POETAS GILMAR LEITE E ALUIZIO LOPES
SÃO JOSÉ DO EGITO, PAJEÚ PERNAMBUCANO








O desafio abaixo, feito em Sextilhas e Galopes a Beira-Mar
foi realizado virtualmente entre os amigos Gilmar Leite e Aluizio Lopes, ambos, patrícios do Pajeú


Sextilhas
Gilmar Leite
O Galego de Tiboa
Já está bastante velho,
Seu corpo tem a idade
Do antigo evangelho
As marcas da sua alma
São rugas dum ser revelho.


Aluizio Lopes

Eu lembro de quem és filho
De "Vigário" nosso amigo,
Você que é muito novinho
Da época de papa-figo
Ainda quer que eu seja
Sobejo de sobre-mesa
Vais se lascar meu amigo.
Gilmar Leite
Coitado do ancião
Que não sabe mais contar
Seus versos são tão compridos
Que podem me atropelar
Mas como sou seu amigo
Pegue na mão de Gilmar

Aluizio Lopes
Não confio no gatilho
Que na queixa tá armado
Sou cascavel escondida
Com veneno apurado
Sou velho, mas subo em cima,
Sou grossa chuva de rima
Se me provoca é finado.

Gilmar Leite
Caba véi, tais enfadado,
No declínio da idade
Um ancião sem vigor
Um ocaso de verdade
O tempo comeu teu ser
És resto de mocidade.
Aluizio Lopes
Eu tenho pena de quem
Quer ser novo sem sustança
Como um coqueiro velho
Sem palha, não balança,
Ser novin que nem você
Eu mesmo não quero ser
Sou roubado na balança.
Gilmar Leite
O galego de Tiboa
Faz tempo que foi aurora
É um sol já declinando
Somente esperando à hora
Que a tempestade do tempo
Diga: Véin, vá embora.

Aluizio Lopes
Há tempos que a mocidade
Deixou você para traz
Quem olha para você
Sabe que não é capaz
Quer cantar, não tem voz,
O que fazia, já "não faz".

Gilmar Leite
Sou um poeta menino
Abrindo a flor da idade
Exalando da existência
Perfumes da mocidade
Minha aurora de criança
Sempre mostra mocidade.

Aluizio Lopes
Sua flor já murchou
Outra parte nem se fala
Nem é novo, tem tem cheiro
Sua essência não exala
Meu passo não acompanha
Veja lá quem tem mais banha
O tempo é feito uma bala.

Gilmar Leite
O galego de Tiboa
Está todo enferrujado
A barriga já cresceu
O corpo está entrevado
Sua cova está gritando
Você é meu convidado.
Aluizio Lopes
Mande chamar todo mundo
Para ver a cantoria
Mande que olhe pra cima
Pra não ver sua agonia
Sua expressão de aperreio
Ou canta ou sai do meio
Do meu dilúvio de rima.

Gilmar Leite
Sou menino na essência
Abrindo a flor do meu sexo
Demonstrando a mocidade
Sem medo, sem retrocesso,
E você é um velhinho
Vivendo só do complexo.

Aluizio Lopes
Eu não quero bater mais
Em respeito a moça bela
Pra não cansar o meu braço
Nem gastar a minha goela
No meu borná tem guardado
Muito verso lapidado
Assim belos, feito ela.

Gilmar Leite
Para sua tenra idade
Que já é crepuscular
Um conforto pra velhice
São os versos de Gilmar
Você vai ficar tão leve
Como a pluma, a bailar.
Aluizio Lopes
Aqui vou me despedindo
Não tenho com quem cantar
Pois no "novin" de "Vigário"
Não pode mais versejar
Não se ressucita um ovo
Que acabou de "gorar".

Gilmar Leite
O galego quer ser boy
Na estrada da idade
Já faz milhares de séculos
Que perdeu a mocidade
É um ancião na terra
O mais velho da cidade.

Aluizio Lopes
Eu vou procurar um poeta
Que saiba cantar repente
Que saiba se esquivar
Do veneno da serpente
Quando mexer com um vate
Que seja be mais prudente.

Gilmar Leite
O teu verso enferujado
Tem a tua aparência
Nem mesmo usando bengala
Te dará mais resistência
O cemitério convida
A tua inexistência.

Aluzio Lopes
Aí você vai ficando
Cada vez muito mais novo
Como na "viagem insólita"
Não faz parte desse povo
Com a força do meu verso
Lhe goro dentro do ovo.
Gilmar Leite
Apanhar de um ancião
Nem mesmo estando amarrado
Por ter pena e respeito
Procuro não ser ousado
É muito feio um jovem
Bater num aposentado.
Aluizio Lopes
Depois vire um bebê
Beba leite em mamadeira
Fale gu-gú, da-dá,
De novo faça besteira
Faça cocô bem "molin"
Se afogue na caganeira.
Gilmar Leite
Pessoa da sua idade
Necessita de respeito
Desde já peço desculpas
Pelo triste preconceito
Não tiro mais a bengala
Usando versos do peito.
Aluizio Lopes
Esqueça que é cinquentão
E diminua a idade
De novo fique menino
E vá ficando a vontade
Brincando de troca-troca
Nos becos desta cidade.

Gilmar Leite
Amigo, tais diferente,
Amigo, envelheceste,
Leve o peso da idade
Que há tempo recebeste
O teu cansaço de vida
Será que tu venceste?
Aluizio Lopes
Pois bem, você vá saindo,
Daí para Caicó,
Comece a estudar de novo
Volte pra terra de Jó
Que você será fabrico
Debaixo de um lençol.
Gilmar Leite
Véin, cuidado na rima,
Usando arrebol e Jó,
A idade o deixou surdo
Eu olhando sinto dó
Nunca vi tão ruim assim
O seu verso é cotó.

Aluizio Lopes
Por aí tem enganado
Dizendo que é poeta
Mas para o povo daqui
Que conhece a coisa certa
Enganou a freguesia
Feito um falso profeta.
Gilmar Leite
Amigo segure as ondas
Deste poeta ousado
Espero que não se zangue
E fique encabulado
Com meus veros de punhais
Os quais tem lhe perfurado.

Aluizio Lopes
Hoje você está distante
Noutras terras foi morar
Nunca fez nada que preste
Na profissão de cantar
Foi se esconder distante
No Estado Potiguar.

Gilmar Leite
Esgotei o repertório
Do poeta ancião
Esqueci da sua idade
Da sua limitação
Desculpas pelos meus versos
Hoje peço compaixão.

Aluizio Lopes
Pra eu cantar com você
Nem preciso de viola
Bato no casco da cuia
No corpo da caçarola
No jogo da poesia
Faço de você a bola.

Gilmar Leite
O galego de Tiboa
Se afastou da cantoria
Com medo dos meus punhais
Na sua mente vazia
Resolveu ficar calado
Adeus até outro dia.

Aluizio Lopes
Eu não corri da peleja
Não faz parte do meu ser
Eu fui fazer um serviço
Que aqui não posso dizer
Mas o produto do tal
Tem mais valor do que você.

Gilmar Leite
Os meus versos afiados
Trouxeram grande perigo
Suas lâminas cortantes
Viraram grande perigo
E terminei afastando
Um ancião, muito amigo.
Aluizio Lopes
Bom dia grande poeta
Voltemos a cantoria
Eu sei que você é grande
Tem força da ventania
Mas para me alcançar
Nunca vai chegar o dia.
Gilmar Leite
Sou motor fórmula 1
És um fusca enferrujado
Tenho a mente de menino
Teu juízo é entravado
Eu andando o mundo inteiro
Tu estais encurralado.
Aluizio Lopes
Oi, não apague não!
Que talvez nasça outro ovo
Se esquive do tejú-açu
Deste réptil papa ovo
E nunca queira mexer
Com o repentista do povo.

Gilmar Leite
Nunca fui nenhum cantor
Sou um vate de primeira
Eu não tenho compaixão
De quem só canta besteira
Seu não fosse sua idade
Eu lhe dava uma rasteira.

Aluizio Lopes
Sim, eu já ia esquecendo
Do poeta que é tão novo,
Tem me chamado de velho
Não quero lhe dar reprovo
Tem um remédio que faz
O "novin" ficar mais novo.


Galopes à Beira do Mar

Gilmar Leite
Cuidado Galego na dor do chicote
Dos versos vorazes que vêm do meu peito
Lhe bato sem pena, lhe pego dum jeito,
Fazendo você penerar num pinote
Dançando um axé, requebrando um fricote;
Jogando o bumbum numa dança vulgar
Chorando, gritando, num triste implotar,
Pedindo de tudo pra não lhe bater
Dizendo é melhor sucumbir e morrer
Do que apanhar do poeta Gilmar.
Aluizio Lopes
Dizer o poeta que não metrifico
Vou lhe perdoar, pois tenho até pena,
Pois antes que chegue o tempo me acena
Também sei se vou, se parto, se fico,
Quando precisar síncope, eu aplico,
Quando é improviso, devo improvisar,
Contemplo as procelas, seu lindo bailar,
Se lança pra frente, depois e desfaz
Um verde azulado, um branco se faz,
Como eu, metrifica, na beira do mar.
Gilmar Leite
Bater num colega me dói no juízo
Se for ancião, como é o seu caso,
Lhe bato com o verso mais besta, mais raso,
E deixo você num voraz prejuízo.
Porém desde já, lhe peço, lhe aviso,
Procure fazer o seu verso ficar
Distante do vate, do mestre Gilmar,
E vá percorrer os lugares sem luz
Levando nas costas o peso da cruz
Morrendo afogado na beira do mar.
Aluizio Lopes
Se for pra cantar em qualquer toada,
Eu só me avisar, que eu mudo meu plano,
Saio do sertão, vou por oceano,
Pois minha cantiga não é ensaiada.
Eu canto o roçado, falo da jangada,
Não repito verso no improvisar
Você tem costume de nada inventar
Pois seu candeiro tá quase sem luz
Você só copia, mas nada produz,
Termina afogado na beira do mar.

Gilmar Leite
Bater no Galego, que coisa tão boa!
Seu lombo macio, aguenta pancada,
O verso cruel no seu lombo é espada,
A mente vazia se perde a toa.
Suplico Galego, cantor de Tiboa,
Seu louco galope complica o andar,
Tem verso com dez, cadência maluca,
Não sei caminhar, endoidece a cuca,
Não corte as pernas na beira do mar.
Aluizio Lopes
Amigo poeta que na praia mora
Que goza, desfruta da bela paisagem,
Não queira você borrar a imagem
De um simples aedo, que a isto ignora,
Você é sabido, na capital mora,
Não ouse você o amigo humilhar
Pois não tem aí o crepuscular
Igual ao sertão, minha amada terra,
De tarde se esconde o sol lá na serra,
Causando ciúme à beira do mar.
Gilmar Leite
Bater num poeta que tem seu tamanho...
Pra mim é maneiro, pois sinto prazer;
Velhinho poeta prepare o seu ser
Que mesmo doente, no veros, eu ganho.
Bater num ancião muitas vezes me acanho
Faz pena de vê-lo num verso tombar
Ouvir seu gemido, me acuda Gilmar,
Dizendo que está ao sabor do oceano...
Se for bem humilde transforme seu plano
Não cante galope na beira do mar.

Aluizio Lopes
Eu sempre estive só na defensiva
Faço versos simples, banhando à lisura,
Pois sempre me posto com certa postura
Mas sou vigilante a qualquer ofensiva.
Sou cachoeira de rima a rimar
Sou o pescador que sabe pescar
Quando jogo a isca o besta engole
Poeta pequeno não mais me amole
Me escute de longe, na beira do mar.

Gilmar Leite
Meu verso tem cadência, possui compasso,
Tem métrica, tem som, tem plena harmonia,
Tem lagos, florestas, auroras, amagia,
Crepúsculos, fontes, montanha, abraço,
Carinhos sutis que não sentem cançaso
Belezas reais de poder cavalgar...
Seu verso faz pena de nele trilhar
É vago, vazio, não possui melodia,
Galego, talvez, você possa algum diz
Fazer um galope que agrade a Gilmar.
Aluizio Lopes
Se me atacar você tem prejuízo
Lhe tiro a saúde, começo do pé,
Lhe causo frieira, fungos e chulé,
Artrite, joanete, tudo que é preciso,
Lhe dou tendinete, lho roubo o juízo,
Os seus dois joelhos eu vou inflamar
Cãimbras nas pernas também vou causar
Um par de ínguas nas suas virilhas
Lhe causarei dor nas duas pantorrilhas
Nunca mais você anda na beira do mar.

Gilmar Leite
Poeta pequeno de rítmo maluco
Que quebra a cadência me causa uma ânsia
Perdi toda a minha sutil tolerância
Só resta usar o meu verso trabuco.
Seu canto envergonha o meu Pernambuco,
Aleija o compasso, amputa o nadar,
Fazendo o sertão num lamanto chorar
Sujando as águas do meu Pajeú
Poeta eu vou dar uma pisa em tu
Não canta que preste na beira do mar.
Aluizio Lopes
Lhe avisei, melhor pra você,
Não mexer com quem tem rima em fartura,
Lhe dou um cobreiro na sua cintura
Lhe desço a papeira, você vai sofrer,
"Aquilo" se esconde, não pode mais ver,
Tá tudo escondido num blo a inchar,
Você quer remédio, ninguém vai lhe dar,
Não vou permitir ninguém dar remédio,
Porque o poeta vai viver de tédio
Sentindo saudade na beira do mar.
Gilmar Leite
Poeta Galego prepare o seu lombo
Você vai penar nos punhais do meu verso
Cortando em pedaços, deixando em reverso,
Abrindo nas costas um mórbido rombo.
Usando meu verso lhe causo um tombo
Despido você para o povo mangar
Exponho a careca que vive a brilhar
Convido os meninos pra dar beliscão
Na bunda branquela, fazendo arranhão,
Banhando a ferida nas águas do mar.
Aluizio Lopes
Ainda tem mais no "borná" da vida
Muito outras mazelas lhe dou de presente
Sou dor de pontada no pé do seu dente
Garganta inchada, a língua ferida,
Quer pigarrear, mucosa prurida,
Quer soltar o verso, não pode versar,
Me diga colega se pode cantar?
Derramando poeira pra sua alergia,
Desposa o poeta da sua alegria
Nunca mais me afronta na beira do mar.
Gilmar Leite
Por certo és doente, da cama não passa,
Poeta só vive ofertando doença,
Cabeça vazia, vagão que não pensa,
Ancião, coitado, a vista se embaça,
A mente parece uma velha cabaça,
O peito não sabe no verso rimar
Cantor que não sabe na voz ritmar
Só presta ser mudo, calar seu gogó,
O verso sem brilho se mostra cotó
Não canta galope na beira do mar.
Aluizio Lopes
Eu canto de dez, de oite, de sete,
Sextilhas, quadrinhas, se sou açoitado,
Sou um canto "mei malassombrando",
Escrevo soneto Prometeu promete,
Mas se um pé rapado comigo se mete,
Não meço distância pra lhe açoitar
Me valho da voz no improvisar
Lhe dou uma surra sem tocar com um dedo
Ainda revelo meu grande segredo
São inspirações, lá na beira do mar.
Gilmar Leite
Que métrica louca tem seu pobre verso
Velhinho procure alguém que lhe ajude
Perdi minha calma, fiz tudo que pude,
Dizendo a você que cadência é universo
Ao ler seu galope se vê tudo imerso
O rítmo, harmonia, o bom cavalgar,
Cavalo perneta que não sabe andar
Bengala, talvez, pro poeta pequeno,
Que morre afogado no pouco sereno
Não pode enfrentar o oceano Gilmar.
Aluizio Lopes
Esse belo tema que estamos cantando
Desmerecer faz a boba peleja
Quando é meio dia o sol lhe dardeja
A lâmina verde se vai esquentando
A fuana do mar no morno nadando
Pois tem até peixes que amam o luar
Pequenas agulhas no seu agulhar
Costuram o mar no pano do vento
O pescador usa a luz muito atento
Pescando os peixinhos na beira do mar.

Gilmar Leite
Bater em você com meu verso feroz
Me deixa bastante feliz e contente
Não sou pra você um poeta clemente
Confesso lhe bato porque sou algoz.
Arranco do peito a decrépita voz
Afônico, não vai, poder imitar,
Cantor que não sabe na voz galopar
Empurro sem pena no abismo profundo
Poeta pequeno procure outro mundo
Se faste ligeiro da beira do mar.
Aluizio Lopes
Esse tem está ficando sem graça
Não lhe agravei nos particulares
Sinais de feição eu deixo nos ares
Sou um cantador, sou uma boa praça,
Aqui não falei de cor, nem de raça,
Se for pra falar de "formoso" não dá,
De "persona" amigo não é bom falar,
Beleza e candura tem Neide e Rachel,
Aqui um cantor, lá um menestrel,
Dois velhos amigos na beira do mar.

Gilmar Leite
Rachel é sereia que habita meus mares
Enfrenta comigo qualquer oceano
Navega nas ondas do amor soberano
Cruzando as procelas e vários lugares
Nereida que tem belíssimos cantares
Que enfeita as areias do meu caminhar
A ninfa profunda que faz navegar
O barco gigante de eternos desejos
Que ancora nos lábios os dúlcidos beijos
Fazendo amores na beira do mar

Aluizio Lopes
Cavalgo nas águas do meu pensamento
Procuro alento na inspiração
No tropel de rima, do meu alazão,
Corto pradarias com a força do vento;
Deus é que me guia, ele é meu sustento,
Se é meu sustento não vou fraquejar,
Não conheço nada que possa imitar
O Deus que criou toda criação
Agora amigo lhe peço perdão
Nos dez de galope na beira do mar.
Gilmar Leite
Na beira do mar tem imensos coqueiros
Siris que namoram em grutas pequenas
Passeios sutis de fogosas morenas
Cantares de vidas de velhos barqueiros.
Amores fulgazes de mil jangadeiros
Cadência das ondas num lindo bailar
Só falta o amigo saber cavalgar
Nos doces balanços da bela harmonia
Andando comigo, talvez, faça um dia,
Um belo galope na beira do mar.